sábado, 31 de dezembro de 2016

São Silvestre - Papa

São Silvestre encerra o ano civil. Ele encerra também, na história da Igreja uma época importante e inicia uma nova era.

Durante três séculos a Igreja de Deus esteve exposta às mais cruéis perseguições. O império romano empregava todo o seu poder para aniquilar o reino de Deus; o sangue corria em torrentes.
A Igreja permaneceu crescendo, a apesar de todos os planos, afrontando tudo.

Os seus membros morriam aqui e ali, mas a Igreja continuava a viver, e sempre novas pessoas entravam, para preencher as lacunas.

Por fim o império romano se curvou diante de Cristo e colocou a Cruz sobre o seu diadema e o sinal de Cristo sobre a água de suas legiões.

Cristo tinha vencido mais uma batalha, e o Papa Silvestre I viu como tudo mudava. Viu o suplício da cruz ser abolido. Viu cristãos confessarem livre e francamente a sua fé e erigirem casas de Deus.

Segundo o testemunho de historiadores, Silvestre nasceu em Roma, filho de pais ótimos cristãos, que bem cedo o confiaram aos cuidados do sacerdote Cirino, cujo preparo intelectual e exemplo de vida santa fizeram com que o discípulo adquirisse uma formação extraordinariamente sólida cristã.

Estava ainda em preparação última, isto é, a décima e de todas as mais bárbaras das perseguições dioclesianas, quando Silvestre, das mãos do Papa Marcelino, recebeu as ordens sacerdotais. Teve, pois, ocasião de presenciar os horrores desta perseguição sangrenta contra o Reino de Cristo. Pode ele ser e foi testemunha ocular do heroísmo das pobres vítimas do furor desmedido do tirano coroado.

Em 314, por voto unânime do povo e do clero foi proposto para ocupar a cadeira de São Pedro, como sucessor do Papa Melquíades. 

Com a vitória do cristianismo e a conversão do imperador Constantino viu-se o Papa diante da grande tarefa de, por meio das sábias leis, introduzir a religião cristã na vida dos povos, dando-lhe formação concreta e definitiva. A paz, infelizmente não foi de longa duração.

Duas terríveis heresias se levantaram contra a Igreja, arrastando-a para uma luta gigantesca de quase um século de duração. Foi a dos Donatistas, que tomou grande incremento na África.

A Igreja, ensinavam eles, deve compor-se só de justos; no momento em que seu seio tolera pecadores, deixa de ser a Igreja de Cristo.

O batismo administrado por um sacerdote que se encontra em estado de pecado, é inválido. Um bispo, se estiver com um pecado na alma, não pode crismar nem ordenar sacerdotes. Caso administre estes sacramentos, são eles inválidos. 

Pior e mais perigosa foi a outra heresia, propalada pelo sacerdote Ario, da Igreja de Antioquia. Esta heresia afirmava que a Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, faltavam as atribuições divinas; isto é, não era consubstancial ao Pai, portanto não era Deus, mas mera criatura, de essência diversa da do Pai e de natureza mutável. 
Tanto contra a primeira como contra a segunda o Papa Silvestre tomou enérgica atitude.

A dos Donatistas foi condenada no Concílio de Arles. O arianismo teve sua condenação no célebre Concílio de Nicéia - 325, ao qual compareceram 317 bispos.

O Papa Silvestre, já muito idoso pessoalmente não podendo comparecer à grande Assembléia, fez-se nela representar por dois sacerdotes de sua inteira confiança, que em seu lugar presidiram as sessões.

Estas terminaram com a solene proclamação dogmática da fórmula: " O Filho é consubstancial ao Pai; é Deus de Deus; Deus verdadeiro de Deus Verdadeiro; gerado, não feito, da mesma substância com o Pai". 
As resoluções do Concílio o Papa Silvestre as assinou. Na presença de 272 bispos foram as mesmas em Roma solenemente confirmadas.

Sobre o túmulo de São Pedro, o Papa, auxiliado pelo imperador, construiu a magnífica basílica vaticana, com oitenta colunas de mármore, templo que durante 1100 anos via chegar milhares e milhares de peregrinos provenientes de todas as partes do mundo, ansiosos de prestar homenagens ao "Rochedo", sobre o qual Cristo tinha edificado a sua Igreja - até que deu lugar à atual grandiosa Basílica de São Pedro.


O longo pontificado de São Silvestre (de 314 a 335) correu paralelo ao governo do imperador Constantino, numa época muito importante para a Igreja recém saída da clandestinidade e das perseguições. Foi nesse período que se formou uma organização eclesiástica que duraria por vários séculos. Nesta época, teve lugar de destaque o imperador Constantino.

Durante o seu pontificado a autoridade da Igreja foi estabelecida e se construíram alguns dos primeiros monumentos cristãos, como a Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, e as primitivas basílicas de Roma (São João de Latrão e São Pedro), bem como das igrejas dos Santos Apóstolos e de Santa Sofia em Constantinopla.
dias depois.
São Silvestre morreu em 335, depois de ter permanecido no trono de Pedro durante vinte e um anos, e produzido tantos e bons frutos para o cristianismo. No ano seguinte ao da sua morte, começou a ser dedicada a são Silvestre uma festa no dia 31 de dezembro.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Sagrada Família, Jesus, Maria e José


Dentro da oitava de Natal e vivendo as alegrias da festa do Mistério da Encarnação de Jesus Cristo, a Igreja celebra a festa da Sagrada Família, apresentando-nos Jesus, Maria e José, a família de Nazaré, como inspiradora e modelo para todas as outras.
Todos nós conhecemos os nomes e santidade de seus membros: Jesus – Deus entre nós, que nos salva; Maria – a cheia de graça; José – o homem justo. Uma família sagrada!

A celebração nos convida a refletir sobre a família hoje, seus problemas, desafios e esperanças. 

Somos convidados pela Igreja a debruçar nosso olhar sobre esta realidade tão próxima de nossa vida cotidiana como uma chamada de atenção acerca dos rumos que o secularismo leva a dilapidar a entidade familiar, do casamento de um homem com uma mulher. Se nunca olharmos reflexivamente as realidades cotidianas mais próximas, elas perderão sua evidência vital e decairão inexoravelmente. Refletir como cristãos sobre a família hoje é uma necessidade, pois estamos sujeitos a uma pressão contrária constante, e não é cristã, que imperceptivelmente, sem que o percebamos, transforma nosso pensar, e o transforma para pior. Na "pregação" de revistas, novelas, filmes, livros e romances, o amor esponsal não é mais entendido como uma entrega da vida ao cônjuge num decidido amor oblativo que, passando pelas crises do convívio de individualidades diferentes, sempre ressurge, renasce, renova-se, cresce e amadurece. Para eles é entendido como busca da "minha" felicidade, isto é, como busca de si, tornando o amor esponsal superficial e frágil, em que a emotividade subjetiva toma lugar da decisão vital e, com isso, não há capacidade de resistir às inevitáveis tempestades da vida.

O amor esponsal cristão como "decisão de toda uma vida" tem como referencial o amor com que o Senhor nos amou. É um amor que exige busca e luta, sim, mas que dá profunda realização ao viver conjugal, tornando-o elo conquistado de vigor indissolúvel, aliança eterna de duas existências.

É este o amor que tem a capacidade de criar os filhos, educá-los e torná-los aptos para uma vida de bem. Edificados em cima de um fundamento como este, eles não cairão facilmente nos desvios que a face decadente de nossa sociedade ostensivamente lhes oferece, como drogas, sexo, alienação das questões sociais e políticas, exasperada afirmação de si, na indiferença e, muitas vezes, na exclusão e na exploração do outro.

Contemplando a Sagrada Família, somos convidados a olhar para as nossas, que estão expostas a tantas dificuldades. E somos interpelados pelo Evangelho de Jesus Cristo para que façamos delas verdadeiras comunidades de fé e de amor, promotoras e defensoras da vida em todas as dimensões, alicerçadas nos valores da fidelidade e da indissolubilidade.

Ao celebrarmos a festa da Sagrada Família, somos convidados a viver os valores que as leituras bíblicas dessa celebração nos apresentam. O livro do Eclesiástico nos propõe amar e respeitar nossos pais: "Quem honra seu pai alcança o perdão dos pecados, quem respeita sua mãe é como alguém que ajunta tesouros."

E o apóstolo Paulo, na Carta aos Colossenses, exorta-nos a revestirmos de misericórdia, bondade, humildade e mansidão, e insiste para que saibamos amar e perdoar. São os caminhos para se construir uma verdadeira família.

Busquemos a inspiração familiar na contemplação da Sagrada Família de Nazaré. Neste dia seguinte ao santo Natal dirijamos o nosso olhar ao Menino Jesus que, na casa de Maria e de José, cresceu em sabedoria e conhecimento, até o dia em que deu início ao seu ministério público. 

O Concílio Vaticano II ensina-nos que as crianças desempenham um papel especial, fazendo crescer os seus pais em santidade (cf. Gaudium et spes, 48). Convido os jovens para que reflitam sobre isso, permitindo que o exemplo de Jesus vos oriente não apenas na manifestação do respeito aos vossos pais, mas também os ajudando a descobrir mais plenamente o amor, que confere à vossa vida o sentido mais completo. Na Sagrada Família de Nazaré, Jesus ensinou a Maria e José um pouco da grandeza do amor de Deus, seu Pai celeste, nascente última de cada amor, o Pai de quem toda a paternidade no céu e na terra adquire o seu nome (cf. Ef 3, 14-15). 

Que Jesus, Maria e José abençoem e encorajem nossas famílias para que elas sejam fiéis à missão que Deus lhes confiou, sendo verdadeiras "Igrejas domésticas" a testemunhar para o mundo os valores evangélicos, a exemplo da família santa de Nazaré.

Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

São Tomás Becket


Senhor nosso Deus, que destes ao mártir São Tomás Becket  a grandeza de alma que o levou a dar a vida pela justiça, concedei-nos, por sua intercessão, a graça de saber perder a vida por Cristo neste mundo, para podermos encontrá-la para sempre no Céu. 


Tomás Becket nasceu em Londres no dia 21 de dezembro de 1117, dia de São Tomé, do qual recebeu o nome. De acordo com seus contemporâneos, era de elevada estatura, tez pálida, cabelos negros, nariz aquilino, olhos claros e firmes, que no primeiro olhar davam-se conta de tudo. Jovial, de agradável e cativante conversação, franco no falar, embora gaguejando ligeiramente. Tinha tão grande discernimento e saber, que tornava fáceis e inteligíveis os temas mais difíceis.

Seus biógrafos ressaltam que, já de pequeno, era muito inclinado à piedade, tinha terna devoção a Nossa Senhora e particular amor pelos pobres.
Tendo feito seus estudos em sua terra natal e em Paris, de volta à Inglaterra entrou no serviço do arcebispo Teobaldo de Cantuária, Primaz da Inglaterra. O prelado logo descobriu nele sentido prático dos negócios e prudência, convertendo-o no mais confiável de seus auxiliares.

“Era tão casto que, apesar de mil armadilhas que armaram contra sua pureza, não puderam jamais levá-lo a nenhuma ação desonesta. Tinha tanto candor e sinceridade, que jamais foi ouvido pronunciar uma só mentira, mesmo por mera diversão ou lisonja”.

O arcebispo Teobaldo enviou-o para estudar direito civil e canônico em Bolonha e Auxerre. À sua volta, conferiu-lhe o diaconato e elevou-o a arcediago (dignidade eclesiástica de uma diocese, que confere certos poderes junto aos párocos, curas, abades, etc.) com magnífica remuneração, a qual ele transformava em abundantes esmolas, valendo-lhe o epíteto de pai dos pobres.
Nessa época governava a Inglaterra o jovem rei Henrique II, da família dos Plantagenetas. Esse monarca unia rara inteligência prática a uma grande ambição, forte constituição física e muita força de vontade. Quando o arcebispo louvou diante dele as belas qualidades de seu arcediago, Henrique quis conhecê-lo. Como verdadeiro político, o rei compreendeu logo que havia encontrado um grande estadista em quem o talento aliava-se à fidelidade. Escolheu-o então para seu chanceler, e desse modo Tomás Becket tornou-se, aos 36 anos de idade, a segunda autoridade do reino.

De tal modo o soberano e o chanceler uniram-se, que o povo comentava possuírem um só coração e uma só mente. Ambos tinham em vista a prosperidade do reino, caçavam juntos e juntos iam à guerra, apresentavam-se com fausto e esplendor. Na vida privada Becket era muito ascético, mas publicamente cercava-se de pompa devido à honra de seu cargo. Em 1158, quando viajou à França para negociar um casamento, o fez com grande pompa, e o povo maravilhado dizia:“Se esse é apenas o chanceler, qual não será a glória do rei?”.

Ele se destacava ainda em outros campos: “Jurisconsulto consumado e hábil financista, tão capaz de uma decisão enérgica que requeresse a força armada como de um expediente jurídico, reprimiu a bandidagem, aterrorizou os usurários, favoreceu a agricultura, manteve o padrão da nobreza, reorganizou a justiça, aumentou o prestígio exterior e assegurou a prosperidade e a paz do reino”.

Em 1161, a morte do arcebispo Teobaldo deixou vacante a sé de Cantuária. O rei, que confiava muito na fidelidade de Tomás Becket, julgou que ele seria a pessoa mais segura para zelar pelos seus interesses naquele cargo tão importante. O chanceler foi franco: 
“Senhor, quero que saibais que o favor com que agora me honrais logo se trocará em ódio implacável; porque, tratando-se de coisas eclesiásticas, tendes exigências que eu não poderia tolerar”. 
O rei não o levou a sério e confirmou a eleição, sendo então ordenado sacerdote e sagrado bispo. Renunciou à chancelaria, como incompatível com o múnus episcopal.

“A partir de sua elevação ao episcopado, Tomás Becket entregou-se por completo à vida apostólica. Expiou com a penitência e o silício a moleza de sua anterior conduta. Se bem que se apresentasse com a dignidade e magnificência próprias ao seu elevado cargo, levava em privado a vida e o hábito dos monges beneditinos, conforme às tradições de austeridade que lhe legara o insigne Santo Anselmo, um de seus predecessores na sé primacial de Cantuária”.

Não demorou muito para que começasse a luta entre altar e trono. As causas da frieza que aos poucos se estabeleceu entre rei e arcebispo eram muito profundas. Basta dizer que São Tomás Becket, em encontros com o monarca, defendeu sempre os direitos e os privilégios da Igreja, mesmo com o risco de desagrada-lo. A situação foi se deteriorando entre os dois, chegando ao ponto em que o rei pensou em encarcerá-lo. Disfarçado, ele conseguiu fugir para a França, onde foi bem recebido pelo rei Luís VII e pelo Papa, que se encontrava nesse país.

Henrique II reclamou com o rei francês pela boa acolhida dada ao “ex-arcebispo”. O monarca francês respondeu: “Ex-arcebispo? Quem o depôs? Eu também sou rei, mas não posso depor nem o menor clérigo de meu reino”. E continuou a proteger São Tomás Becket, que se retirou para a abadia de Pontigny, da Ordem de Cister, onde se entregou à oração e à penitência.

Henrique II ameaçou expulsar da Inglaterra todos os cistercienses, caso a abadia de Pontigny continuasse a dar guarida ao santo. Ameaçou também o Papa Alexandre III de colocar-se sob a obediência de um antipapa que o imperador alemão Frederico Barbaroxa acabava de criar, se continuasse a apoiar Tomás Becket. A conselho do Sumo Pontífice, Tomás transferiu-se para o mosteiro beneditino de Santa Columba, onde permaneceu por quatro anos.

Em 1170, pela mediação do Papa e de Luís VII, Henrique II aceitou recebê-lo de volta sem impor nenhuma condição. Mas a situação nunca mais se recompôs. Certo dia o rei, rodeado de cortesãos, exclamou num acesso de cólera: “Malditos sejam aqueles que eu alimento de minha mesa, honro com minha familiaridade e enriqueço com meus benefícios, se não me vingam desse padre que não faz senão perturbar meu coração e despojar meus melhores servidores de suas dignidades!” Essa insinuação ao assassinato foi ouvida por quatro deles, que se comprometeram sob juramento a assassinar o arcebispo.

Na noite de 29 de dezembro de 1170, São Tomás Becket dirigiu-se como de costume à igreja, para as Vésperas. Os assassinos forçaram a porta do claustro e entraram no recinto
sagrado, gritando: 
“Onde está o arcebispo? Onde está o traidor?”.
O santo estava apoiado a uma coluna, e respondeu: 
“Aqui me tendes. Sou o arcebispo, mas não traidor”. 
Um dos quatro facínoras, para fazê-lo sair do templo, gritou-lhe: 
“Salva-te!”. 
Agarrando-se mais fortemente à coluna, ele respondeu: 
“Consuma aqui mesmo teu crime. Mas eu te proíbo, da parte do Todo Poderoso, de maltratar quem quer que seja dos meus”.

O primeiro golpe o atingiu ligeiramente na cabeça, mas quase cortou o braço de um de seus clérigos, que portava a cruz arquiepiscopal. Outro golpe abriu-lhe uma brecha na cabeça, e ele caiu de joelhos banhado em seu sangue, exclamando: 
“Morro voluntariamente pelo nome de Jesus e pela defesa de sua Igreja”. 


Outros golpes se seguiram, e o Santo entregou sua alma a Deus aos 53 anos de idade e nove de episcopado, dos quais dois terços foram passados no desterro.

O hediondo crime horrorizou não só a Inglaterra, mas toda a Europa. Cheio de espanto, o rei encerrou-se em seu palácio, permanecendo sem falar com ninguém durante vários dias. Depois compareceu como peregrino e penitente ante o túmulo do santo, onde se submeteu a severa flagelação diante dos bispos, abades e monges. Passou depois em oração o resto desse dia e a noite seguinte. A conversão de Henrique II foi vista como o primeiro milagre de São Tomás Becket.

A canonização se deu dois anos depois de sua morte. Os milagres operados diante do túmulo foram se multiplicando: doentes, cegos, surdos, mudos, paralíticos, encontravam remédio junto ao corpo do mártir. Num espaço de tempo extraordinariamente breve, a devoção ao arcebispo-mártir difundiu-se por toda a Europa, de maneira a tornar o santuário de São Tomás Becket um dos mais famosos de toda a Idade Média, junto com o de Santiago de Compostela.



quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Santos Inocentes mártires

Os inocentes que deram testemunho de Cristo não com palavras, mas com o sangue, lembram-nos que o martírio é dom gratuito do Senhor. As vítimas imoladas pela ferocidade de Herodes pertencem, junto com Santo Estêvão e João evangelista, ao cortejo do Rei messiânico e recordam e eminente dignidade das crianças na Igreja.

Ainda não falam e já proclamam Cristo
"Nasceu um pequenino que é o grande Rei. Os magos chegam de longe e vêm adorar, ainda deitado no presépio, aquele que reina no céu e na terra. Ao anunciarem os magos o nascimento de um Rei, Herodes se perturba e, para não perder o seu reino, quer matar o recém-nascido. No entanto, se tivesse acreditado nele, poderia reinar com segurança nesta terra e para sempre na outra vida.

Por que temes, Herodes, ao ouvir que nasceu um Rei? Ele não veio para te destronar, mas para vencer o demônio. Como não compreendes isso, tu te perturbas e te enfureces; e, para que não escape o único menino que procuras, tens a crueldade de matar tantos outros.

Nem as lágrimas das mães nem o lamento dos pais pela morte de seus filhos, nem os gritos e gemidos das crianças te comovem. Matas o corpo das crianças porque o medo matou o teu coração; e julgas que, se conseguires teu propósito, poderás viver muito tempo, quando precisamente é a própria Vida que queres matar.

Aquele que é a fonte da graça, pequenino e grande ao mesmo tempo, reclinado num presépio, apavora o teu trono. Por meio de ti, e sem que saibas, realiza os seus desígnios e liberta as almas do cativeiro do demônio. Recebe como filhos adotivos os filhos dos que eram seus inimigos.

Essas crianças morrem pelo Cristo, sem saberem, enquanto seus pais choram os mártires que morrem. Cristo faz suas legítimas testemunhas aqueles que ainda não falam. Eis como reina aquele que veio para reinar. Eis como já começa a conceder a liberdade aquele que veio para libertar, e a dar a salvação aquele que veio para salvar.
Tu, porém, Herodes, ignorando tudo isto, te perturbas e te enfureces; e enquanto te enfureces contra o Menino, já lhe prestas homenagem, sem o saberes. Ó imenso dom da graça! Que méritos tinham aquelas crianças para obterem tal vitória? Ainda não falam e já proclamam o Cristo. Não podem ainda mover os membros para a luta e já ostentam a palma da vitória."

São Quodvultdeus, bispo  - Sec V


terça-feira, 27 de dezembro de 2016

São João - Apóstolo

“Dedicamos o encontro de hoje à recordação de outro membro muito importante do colégio apostólico: João, filho de Zebedeu e irmão de Tiago. O seu nome, tipicamente judaico, significa "o Senhor fez a graça".

Estava a consertar as redes na margem do lago de Tiberíades, quando Jesus o chamou juntamente com o irmão (Mt 4, 21; Mc 1, 19). João pertence também ao grupo restrito, que Jesus chama em determinadas ocasiões.

Está com Pedro e com Tiago quando Jesus, em Cafarnaum, entra em casa de Pedro para curar a sua sogra (Mc 1, 29); com os outros dois segue o Mestre na casa de Jairo, chefe da sinagoga, cuja filha será chamada à vida (Mc 5, 37); segue-o quando ele sobe ao monte para ser transfigurado (Mc 9, 2); está ao lado dele no Monte das Oliveiras quando, face à imponência do Templo de Jerusalém, pronuncia o sermão sobre o fim da cidade e do mundo (Mc 13, 3); e, finalmente, está ao seu lado quando, no Horto do Getsémani, se retira para rezar ao Pai antes da Paixão (Mc 14, 33). Pouco antes da Páscoa, quando Jesus escolhe dois discípulos para os enviar a preparar a sala para a Ceia, confia a ele e a Pedro esta tarefa (Lc 22, 8).

Esta sua posição de relevo no grupo dos Doze torna de certa forma compreensível a iniciativa tomada um dia pela mãe: ela aproximou-se de Jesus para lhe pedir que os dois filhos, precisamente João e Tiago, pudessem sentar-se um à sua direita e outro à sua esquerda no Reino (Mt 20, 20-21). Como sabemos, Jesus respondeu fazendo por sua vez uma pergunta: pediu que eles estivessem dispostos a beber do cálice que ele mesmo estava para beber (Mt 20, 22).
A intenção que estava por detrás daquelas palavras era a de despertar os dois discípulos, introduzi-los no conhecimento do mistério da sua pessoa e de os fazer refletir sobre a futura chamada a ser suas testemunhas até à prova suprema do sangue.

De fato, pouco depois Jesus esclareceu que não veio para ser servido mas para servir e dar a própria vida em resgate pela multidão (Mt 20, 28). Nos dias seguintes à ressurreição, encontramos "os filhos de Zebedeu" empenhados com Pedro e outros discípulos numa noite sem frutos, à qual se segue, pela intervenção do Ressuscitado, a pesca milagrosa: será "o discípulo que Jesus amava" quem reconhece primeiro "o Senhor" e quem o indica a Pedro (Jo 21, 1-13).

Na Igreja de Jerusalém, João ocupou um lugar de realce na orientação do primeiro agrupamento de cristãos. De fato, Paulo estava incluído entre os que Ele chama as "colunas" daquela comunidade (Gl 2, 9). Na realidade, nos Atos, Lucas apresenta-o juntamente com Pedro quando vão rezar no Templo (At 3, 1-4.11) ou estão diante do Sinédrio para testemunhar a própria fé em Jesus Cristo (At 4, 13.19). Juntamente com Pedro é enviado pela Igreja de Jerusalém para confirmar aqueles que na Samaria aceitaram o Evangelho, pregando por eles a fim de que recebam o Espírito Santo (At 8, 14-15).

Em particular, deve recordar-se o que afirma, juntamente com Pedro, diante do Sinédrio que os está a processar: "Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos" (At 4, 20). Precisamente esta franqueza ao confessar a própria fé permanece um exemplo e uma admoestação para todos nós a estarmos sempre prontos para declarar com determinação a nossa inabalável adesão a Cristo, antepondo a fé a qualquer cálculo ou interesse humano.

Segundo a tradição, João é "o discípulo predileto", que no Quarto Evangelho apóia a cabeça no peito do Mestre durante a Última Ceia (Jo 13, 21), encontra-se aos pés da Cruz juntamente com a Mãe de Jesus (Jo 19, 25) e, por fim, é testemunha quer do túmulo vazio quer da própria presença do Ressuscitado (Jo 20, 2; 21, 7).
Sabemos que esta identificação hoje é debatida pelos estudiosos, alguns dos quais vêem nele simplesmente o protótipo do discípulo de Jesus. Deixando aos exegetas a tarefa de resolver a questão, contentamo-nos com receber uma lição importante para a nossa vida: o Senhor deseja fazer de cada um de nós um discípulo que vive uma amizade pessoal com Ele. Para realizar isto não é suficiente segui-lo e ouvi-lo exteriormente; é preciso também viver com e como Ele.

Isto é possível apenas no contexto de uma relação de grande familiaridade, repleto do calor de uma total confiança; por isso um dia Jesus disse: "Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos... Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai" (Jo15, 13.15).

Nos apócrifos Atos de João o Apóstolo é apresentado não como fundador de Igrejas nem sequer como guia de comunidades já constituídas, mas em contínua itinerância como comunicador da fé no encontro com "almas capazes de ter esperança e de ser salvas" (18, 10; 10, 8). Tudo é movido pela intenção paradoxal de mostrar o invisível. De fato, ele é chamado pela Igreja oriental simplesmente "o Teólogo", isto é, aquele que é capaz de falar das coisas divinas em termos acessíveis, revelando um arcano acesso a Deus mediante a adesão a Jesus.

O culto de João apóstolo afirmou-se a partir da cidade de Éfeso, onde, segundo uma antiga tradição, trabalhou por muito tempo, falecendo ali com uma idade extraordinariamente avançada, sob o Imperador Trajano. Em Éfeso o imperador Justiniano, no século VI, mandou construir em sua honra uma grande basílica, da qual permanecem ainda imponentes ruínas.
Precisamente no Oriente ele gozou e goza ainda de grande veneração. Na iconografia bizantina é representado com frequência muito idoso segundo a tradição morreu sob o imperador Trajano e em intensa contemplação, quase na atitude de quem convida ao silêncio.

De fato, sem adequado recolhimento não é possível aproximar-se do mistério supremo de Deus e da sua revelação. Isto explica porque, há anos, o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Atenágoras, aquele que o Papa Paulo VI abraçou num memorável encontro, afirmou: "João está na origem da nossa mais alta espiritualidade. Como ele, os "silenciosos" conhecem aquele misterioso intercâmbio dos corações, invocando a presença de João e o seu coração inflama-se ".

O Senhor nos ajude a pormo-nos na escola de João para aprender a grande lição do amor, de modo que nos sintamos amados por Cristo "até ao fim" (Jo 13, 1) e empreguemos a nossa vida por Ele.”

Papa Bento XVI

05/07/2006

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Santo Estêvão - Primeiro Mártir


Estêvão foi o primeiro mártir de Cristo e um dos sete que os apóstolos escolheram para o serviço à comunidade, porque era "homem cheio de fé e do Espírito Santo" (At 6,5). Nele realizou-se de modo exemplar a figura do mártir imitador de Cristo; ele contemplou a glória do Ressuscitado, proclamou a sua divindade, confiou-lhe o seu espírito, perdoou seus assassinos (At 7,55.59-60).
Saulo testemunha do apedrejamento (At 8,1), recolhe a sua herança espiritual, tornando-se apóstolo das nações.
Recordamos hoje, na liturgia, o testemunho do amor que perdoa, dado por Estêvão em seu martírio: 
"Pai, dai-nos expressar com a vida o mistério que celebramos no dia natalício de Santo Estêvão, o primeiro mártir, e ensinai-nos a amar também os nossos inimigos, seguindo o exemplo dele que, morrendo, orou pelos seus perseguidores."

“Ontem, celebrávamos o nascimento temporal de nosso Rei eterno; hoje celebramos o martírio triunfal do seu soldado.
Ontem o nosso Rei, revestido de nossa carne e saindo da morada de um seio virginal, dignou-se visitar o mundo; hoje o soldado, deixando a tenda de seu corpo, parte vitorioso para o céu.

O nosso Rei, o Altíssimo, veio por nós na humildade, mas não pôde vir de mãos vazias. Trouxe para seus soldados um grande dom, que não apenas os enriqueceu imensamente, mas deu-lhes uma força invencível no combate: trouxe o dom da caridade que leva os homens à comunhão com Deus.
Ao repartir tão liberalmente o que trouxera, nem por isso ficou mais pobre: enriquecendo do modo admirável a pobreza dos seus fiéis, ele conservou a plenitude dos seus tesouros inesgotáveis.

Assim, a caridade que fez Cristo descer do céu à terra, elevou Estevão da terra ao céu. A caridade de que o Rei dera o exemplo logo refulgiu no soldado.
Estêvão, para alcançar a coroa que seu nome significa, tinha por arma a caridade e com ela vencia em toda parte. Por amor a Deus não recuou perante a hostilidade dos judeus, por amor ao próximo intercedeu por aqueles que o apedrejavam. Por esta caridade, repreendia os que estavam no  erro para que se emendassem, por caridade orava pelos que o apedrejavam para que não fossem punidos.

Fortificado pela caridade, venceu Saulo, enfurecido e cruel, e mereceu ter como companheiro no céu aquele que tivera como perseguidor na terra.  Sua santa e incansável caridade queria conquistar pela oração, a quem não pudera converter pelas admoestações.

E agora Paulo se alegra com Estêvão, com Estêvão frui da glória de Cristo, com Estêvão exulta, com Estêvão reina. Aonde Estêvão chegou primeiro, martirizado pelas pedras de Paulo,  chegou depois Paulo, ajudado pelas orações de Estevão.

É esta a verdadeira vida, meus irmãos, em que Paulo não se envergonha mais da morte de Estêvão, mas Estevão se alegra pela companhia de Paulo, porque em ambos triunfa a caridade. Em Estêvão, a caridade venceu a crueldade dos perseguidores, em Paulo, cobriu uma multidão de pecados; em ambos, a caridade mereceu a posse do reino dos céus.
A caridade é a fonte e origem de todos os bens, é a mais poderosa defesa, o caminho que conduz ao céu.  Quem caminha na caridade não pode errar nem temer.  Ela dirige, protege, leva a bom termo.
Portanto, meus irmãos, já que o Cristo nos deu a escada da caridade pela qual todo cristão pode subir ao céu, conservai fielmente a caridade verdadeira, exercitai-a uns para com os outros e, subindo por ela, progredi sempre mais no caminho da perfeição.”

São Fulgêncio de Ruspe - Sec VI



domingo, 25 de dezembro de 2016

Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo


“E aconteceu naqueles dias que saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo se alistasse. E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. E subiu também José da Galiléia, da cidade de Nazaré, à Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém, A fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida.
E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz. E deu à luz a seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.
Ora, havia naquela mesma comarca pastores que estavam no campo, e guardavam, durante as vigílias da noite, o seu rebanho. E eis que o anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e tiveram grande temor. E o anjo lhes disse: Não temais, porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo: Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será por sinal: Achareis o menino envolto em panos, e deitado numa manjedoura.
E, no mesmo instante, apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus, e dizendo: Glória a Deus nas alturas, Paz na terra, boa vontade para com os homens.” Lc 2,1-14

A beleza deste Evangelho não cessa de tocar o nosso coração: uma beleza que é esplendor da verdade. Não cessa de nos comover o fato de Deus Se ter feito menino, para que nós pudéssemos amá-Lo, para que ousássemos amá-Lo, e, como menino, Se coloca confiadamente nas nossas mãos. Como se dissesse: Sei que o meu esplendor te assusta, que à vista da minha grandeza procuras impor-te a ti mesmo. Por isso venho a ti como menino, para que Me possas acolher e amar.

Sempre de novo me toca também a palavra do evangelista, dita quase de fugida, segundo a qual não havia lugar para eles na hospedaria. Inevitavelmente se põe a questão de saber como reagiria eu, se Maria e José batessem à minha porta. Haveria lugar para eles? E recordamos então que esta notícia, aparentemente casual, da falta de lugar na hospedaria que obriga a Sagrada Família a ir para o estábulo, foi aprofundada e referida na sua essência pelo evangelista João nestes termos: «Veio para o que era Seu, e os Seus não O acolheram». Deste modo, a grande questão moral sobre o modo como nos comportamos com os refugiados, os imigrantes ganha um sentido ainda mais fundamental: Temos verdadeiramente lugar para Deus, quando Ele tenta entrar em nós? Temos tempo e espaço para Ele? Porventura não é ao próprio Deus que rejeitamos?

Isto começa pelo fato de não termos tempo para Deus. Quanto mais rapidamente nos podemos mover, quanto mais eficazes se tornam os meios que nos fazem poupar tempo, tanto menos tempo temos disponível. E Deus? O que diz respeito a Ele nunca parece uma questão urgente. O nosso tempo já está completamente preenchido.

Mas vejamos o caso ainda mais em profundidade. Deus tem verdadeiramente um lugar no nosso pensamento?

Na narração do Natal, há ainda outro ponto que gostava de refletir juntamente convosco: o hino de louvor que os anjos entoam depois de anunciar o Salvador recém-nascido: «Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens do seu agrado». Deus é glorioso. Deus é pura luz, esplendor da verdade e do amor. Ele é bom. É o verdadeiro bem, o bem por excelência. Os anjos que O rodeiam transmitem, primeiro, a pura e simples alegria pela percepção da glória de Deus. O seu canto é uma irradiação da alegria que os inunda. Nas suas palavras, sentimos, por assim dizer, algo dos sons melodiosos do céu. No canto, não está subjacente qualquer pergunta sobre a finalidade; há simplesmente o fato de transbordarem da felicidade que deriva da percepção do puro esplendor da verdade e do amor de Deus. Queremos deixar-nos tocar por esta alegria: existe a verdade; existe a pura bondade; existe a luz pura. Deus é bom; Ele é o poder supremo que está acima de todos os poderes. Nesta noite, deveremos simplesmente alegrar-nos por este fato, juntamente com os anjos e os pastores.

E, com a glória de Deus nas alturas, está relacionada a paz na terra entre os homens. Onde não se dá glória a Deus, onde Ele é esquecido ou até mesmo negado, também não há paz. Só quando a luz de Deus brilha sobre o homem e no homem, só quando cada homem é querido, conhecido e amado por Deus, só então, por mais miserável que seja a sua situação, a sua dignidade é inviolável. Na Noite Santa, o próprio Deus Se fez homem, como anunciara o profeta Isaías: o menino nascido aqui é «Emanuel – Deus-conosco».

Assim, Cristo é a nossa paz e anunciou a paz àqueles que estavam longe e àqueles que estavam perto. Quanto não deveremos nós suplicar-Lhe nesta hora! Sim, Senhor, anunciai a paz também hoje a nós, tanto aos que estão longe como aos que estão perto. Fazei que também hoje das espadas se forjem foices que, em vez dos armamentos para a guerra, apareçam ajudas para os enfermos. Iluminai a quantos acreditam que devem praticar violência em vosso nome, para que aprendam a compreender o absurdo da violência e a reconhecer o vosso verdadeiro rosto. Ajudai a tornarmo-nos homens «do vosso agrado»: homens segundo a vossa imagem e, por conseguinte, homens de paz.


Papa Bento XVI – 24 de dezembro de 2012

sábado, 24 de dezembro de 2016

Vigília de Natal



Desperta, ó homem: por tua causa Deus se fez homem. Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e sobre ti Cristo resplandecerá. Por tua causa, repito, Deus se fez homem.

Estarias morto para sempre, se ele não tivesse nascido no tempo. Jamais te libertarias da carne do pecado, se ele não tivesse assumido uma carne semelhante à do pecado. Estarias condenado a uma eterna miséria, se não fosse a sua misericórdia. Não voltarias à vida, se ele não tivesse vindo ao encontro da tua morte. Terias perecido, se ele não te socorresse. Estarias perdido, se ele não viesse salvar-te.

Celebremos com alegria a vinda da nossa salvação e redenção. Celebremos este dia de festa, em que o grande e eterno Dia, gerado pelo Dia grande e eterno, veio a este nosso dia temporal e tão breve.

Ele se tornou para nós justiça, santificação e libertação, para que, como está escrito, “quem se gloria, glorie-se no Senhor”.

A verdade brotará da terra, o Cristo que disse: eu sou a verdade (Jo 14,6), nasceu da Virgem. E a justiça olhou do alto do céu, porque o homem, crendo naquele que nasceu, é justificado não por si mesmo, mas por Deus.

A verdade brotou da terra porque o Verbo se fez carne. E a justiça olhou do alto do céu porque todo o dom precioso e toda a dádiva perfeita vêm do alto.
A verdade brotou da terra, isto é, da carne de Maria. E a justiça olhou do alto do céu porque o homem não pode receber coisa alguma, se não lhe for dada do céu.

Justificados pela fé, estamos em paz com Deus porque a justiça e a paz se beijaram por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo, pois a verdade brotou da terra. Por ele tivemos acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes e nos gloriamos, na esperança da glória de Deus. Não disse “de nossa glória”, mas da glória de Deus, porque a justiça não procede de nós, mas olha do alto do céu. Portanto, quem se gloria não se glorie em si mesmo, mas no Senhor.
Eis por que, quando o Senhor nasceu da Virgem, os anjos cantaram: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.

Como veio a paz à terra senão por ter a verdade brotado da terra, isto é, Cristo ter nascido em carne humana? Ele é a nossa paz: de dois povos fez um só, para que fôssemos homens de boa vontade, unidos uns aos outros pelo suave vínculo da caridade.

Alegremo-nos com esta graça, para que nossa glória seja o testemunho da nossa consciência, e assim nos gloriaremos, não em nós mesmos, mas no Senhor. Por isso disse o Salmista: Vós sois a minha glória que levanta a minha cabeça. Na verdade, que graça maior Deus poderia nos conceder do que, tendo um único Filho, fazê-lo Filho do homem e reciprocamente fazer os filhos dos homens serem filhos de Deus?


Procurai o mérito, procurai a causa, procurai a justiça; e vede se encontrais outra coisa que não seja a graça de Deus.
  
Santo Agostinho de Hipona

Tempo do Natal

O Tempo do Natal inicia-se no dia 24 de dezembro - com as vésperas - e conclui-se com a festa do Batismo do Senhor, a ser celebrada no dia 09 de janeiro.

Durante esse período, comemora-se a manifestação do Senhor em nossa carne. Não celebramos apenas um acontecimento do passado, o nascimento de Jesus em Belém; celebramos o hoje da nossa salvação que se inicia com a manifestação de Deus na humanidade de nossa carne.
A alegria da Solenidade do Natal do Senhor se desdobra e se prolonga por oito dias sucessivos, os quais chamamos “Oitava do Natal”. Nesses oito dias existem algumas festas muito significativas. No dia 26 de dezembro, celebramos o primeiro mártir de Cristo, Santo Estevão. No dia 27 de dezembro, celebramos São João, apóstolo e evangelista. No dia 28 de dezembro, celebramos os Santos Inocentes Mártires. A festa da Sagrada Família, celebramos dentro do Domingo da Oitava de Natal ou, se não houver nenhum domingo dentro da oitava, celebramos no dia 30 de dezembro. No dia 1º de janeiro, celebramos a Solenidade da Santa Mãe de Deus.
A Solenidade da Epifania do Senhor (“epifania” quer dizer “revelação”), mais conhecida como Festa de Reis, é celebrada no dia 6 de janeiro. No Brasil é transferida para o domingo entre 2 e 8 de janeiro. Nela celebramos a manifestação do Senhor a todas as nações, que são representadas pelos magos que vão ao encontro do Salvador.
A festa do Batismo do Senhor é celebrada no domingo depois do dia 6 de janeiro, e revela a filiação divina de Jesus mediante a voz descida do céu. Nesse momento acontece a verdadeira unção e investidura de Jesus como Messias.
Encerrado o tempo natalino, inicia-se o primeiro momento do Tempo Comum, quando são celebrados os momentos iniciais da atividade pública de Jesus.

Santos Antepassados de Jesus


Em 24 de dezembro, o Martirológio Romano relata a "Comemoração de Todos os Santos antepassados ​​de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão, filho de Adão, isto é, dos patriarcas que agradaram a Deus e foram encontrados justos, os quais, sem terem obtido a realização das promessas, mas vendo-as e saudando-as de longe, morreram na fé: deles nasceu Cristo segundo a carne, que está sobre todas as coisas, Deus bendito por todos os séculos".

Na tarde de 24 de dezembro na missa das vésperas de Natal, a liturgia propõe as palavras do Evangelho de Mateus, quando os antepassados ​​de Jesus são listados na abertura:

Livro da geração de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão.
Abraão gerou a Isaque; e Isaque gerou a Jacó; e Jacó gerou a Judá e a seus irmãos; E Judá gerou, de Tamar, a Perez e a Zerá; e Perez gerou a Esrom; e Esrom gerou a Arão; E Arão gerou a Aminadabe; e Aminadabe gerou a Naassom; e Naassom gerou a Salmom; E Salmom gerou, de Raabe, a Boaz; e Boaz gerou de Rute a Obede; e Obede gerou a Jessé; E Jessé gerou ao rei Davi; e o rei Davi gerou a Salomão da que foi mulher de Urias. E Salomão gerou a Roboão; e Roboão gerou a Abias; e Abias gerou a Asa; E Asa gerou a Josafá; e Josafá gerou a Jorão; e Jorão gerou a Uzias; E Uzias gerou a Jotão; e Jotão gerou a Acaz; e Acaz gerou a Ezequias; E Ezequias gerou a Manassés; e Manassés gerou a Amom; e Amom gerou a Josias; E Josias gerou a Jeconias e a seus irmãos na deportação para babilônia. E, depois da deportação para a babilônia, Jeconias gerou a Salatiel; e Salatiel gerou a Zorobabel; E Zorobabel gerou a Abiúde; e Abiúde gerou a Eliaquim; e Eliaquim gerou a Azor; E Azor gerou a Sadoque; e Sadoque gerou a Aquim; e Aquim gerou a Eliúde; E Eliúde gerou a Eleazar; e Eleazar gerou a Matã; e Matã gerou a Jacó; E Jacó gerou a José, marido de Maria, da qual nasceu JESUS, que se chama o Cristo.


A Liturgia das Vésperas de 19 de Dezembro nos propõe esta antífona ao Magnificat:

Ó Raiz de Jessé,
que se apresenta como um sinal para os povos:
silenciosa diante de vós reis da terra,
e exortamos as nações:
vêm para nos libertar, não demora.

"Brotos a partir do tronco de Jessé" (Is11,1) ou "raiz de Jessé" (Is 11,10; Rm 15,12) são alguns dos títulos que são atribuídas a Jesus Cristo, para mostrar que Deus é fiel ao seu povo e mantém a promessa feita ao Rei Davi (1Sm 16: 1-13).


Na arte cristã, a árvore genealógica do Messias é representada como uma árvore em cujos ramos são colocados reis e profetas e precisamente na raiz, o patriarca Jessé, pai do rei Davi,  enquanto que no topo há a pessoa de Cristo.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

São João Câncio

Considerado um dos santos mais representativos e queridos da Polônia, São João Câncio é chamado, pelo povo, de a "glória da nação polonesa" e o "pai da pátria". Lecionou em sua principal universidade até morrer. A grande preocupação de seu magistério era transmitir aos alunos os conhecimentos "não à luz de uma ciência fria e anônima, mas como irradiação da ciência suprema que tem sua fonte em Deus".

João Câncio nasceu na cidade de Dant, Polônia, no ano 1397. Sendo ainda muito jovem se ordenou sacerdote e foi nomeado professor da Universidade da Cracóvia. Mas a inveja de alguns de seus companheiros terminou por conseguir que o nomeassem pároco de um povoado longínquo.

Tempo depois recuperou o posto de professor na Universidade do Cracóvia e durante muitos anos deu aulas sobre as Sagradas Escrituras ou explicação da Santa Bíblia. Sua fama chegou a ser extremamente grande.

Nas discussões repetia o que dizia São Agostinho: "Combatemos o pecado mas amamos o pecador. Atacamos o engano, mas não queremos violência contra ninguém, a violência sempre faz mal, em troca a paciência e a bondade abrem as portas dos corações".
Quando pregava sobre o pecado chorava ao recordar a ingratidão dos pecadores para Deus, e as pessoas ao vê-lo chorar se comoviam e mudavam de conduta.

A seus alunos repetia estes conselhos: "Cuidem-se de ofender, que depois é difícil fazer esquecer a ofensa. Evitem murmurar, porque depois resulta muito difícil devolver a fama que se tirou".
Foram centenas os sacerdotes formados espiritualmente por ele, e a gente o chegou a chamar de  "glória da nação polonesa" e o "pai da pátria" por suas muitas obras de caridade com os mais necessitados.
João era um homem sério, humilde e generoso para com os pobres,
(varias vezes foi visto dando suas vestes para um pobre), dormia pouco , não comia carne e jejuava com frequência.

Numa dessas incontáveis viagens, foi assaltado. Os bandidos exigiram que João Câncio lhes desse tudo que tinha, depois perguntaram ainda se não estava escondendo mais nada. Ele afirmou que não.
Depois que os ladrões partiram, ele se lembrou de que ainda tinha algumas moedas no forro do manto. Achou-as, correu atrás dos bandidos, deu-lhes as moedas e ainda pediu desculpa pelo esquecimento.

João Câncio adotou para si o lema "Mais para o alto!", procurando dar à sua vida sempre o sentido para Deus.

Anos depois, ao perceber a proximidade da morte, distribuiu os poucos bens que possuía aos pobres, falecendo às vésperas do Natal em 23 de dezembro de 1473. 
Foi canonizado em 1767 e canonizado por Clemente II em 1767.

ORAÇÃO

Senhor, pelos méritos de São João Câncio,
eu vos peço o mais precioso dos dons, o da caridade.
Fazei-me amável, tolerante, solícito,
gentil e que todas as minhas atividades sejam baseadas
no amor que Cristo nos ensinou.
Amém.