Celebramos no dia 20 de agosto a
memória de São Bernardo de Claraval, que nos inspira considerar alguns aspectos
de sua vida, especialmente no que diz respeito à sua vocação e seu trabalho com
outros jovens por ele atraídos à vida monástica. Será interessante, neste mês
vocacional, aprofundarmos um pouco a /missão desse abade cisterciense que tanto
cativou jovens vocacionados para a vida monástica, tornando-se um mito no seu
tempo.
Bernardo se sente chamado para uma
vida diferente. Sua mãe acaba de morrer e dela recebeu ele o gosto pelo estudo
e pela meditação. Durante certo tempo, hesita, sentindo-se sujeito a algumas
tentações. A primeira proposta que lhe veio à mente foi a de estudar na
Alemanha. Chegou a partir, mas, no caminho, lembrou-se de sua mãe,
recém-falecida, entrou em uma igreja e ali rezou. Não só a ausência daquela que
o trouxe ao mundo lhe preocupava, mas também a situação em que se encontrava a
face humana de sua mãe espiritual, a Igreja que o gerou para a vida divina pelo
Santo Batismo. Ele via a Igreja “muito comprometida com os assuntos do mundo
secular, demasiados discursos, exageros de novidades e de dinheiro; era preciso
buscar de novo o silêncio para encontrar a Deus”.
Aquele jovem que aspirava a vida
autêntica mudou, então, de rumo e foi para Borgonha, região cheia de mosteiros
beneditinos, dentre os quais está Cluny, tido como “um império temporal e
também espiritual”. No entanto, não é essa glória que deixava Bernardo
extasiado. O que ele queria era apenas a glória de Deus para sua vida.
Importava-lhe amar e servir ao Senhor como Ele deseja ser amado e servido. Nem
mais, nem menos.
Com esse nobre intento, Bernardo
procurou o assim chamado “novo mosteiro” que tem o nome de Citêaux e
localizava-se em uma região de brejo e junco, propícia ao cultivo dos próprios
alimentos dos monges. Ali os religiosos viviam (e vivem) “a pobreza, o silêncio
e a oração”, se vestiam com simples hábitos de lã sem estampas, dormiam em
colchões de palhas, alimentavam-se do que colhiam em suas férteis terras e – o
mais importante para o espírito – rezavam (e rezam) sete vezes ao dia o Ofício Divino.
Todavia, Bernardo, bastante ponderado,
não entrou logo para o mosteiro. Queria e, talvez, precisaria aprender a viver
a vida comunitária pobre e desprendida de Citêaux, ou fazer uma experiência
para ver se conseguiria sustentá-la até o fim. Veio-lhe uma ideia brilhante:
reunir cerca de 30 pessoas, incluindo familiares e amigos, que tinham o mesmo
desejo que ele para morarem juntos, em uma casa em Châtillon-sur-Seine, antes
de pedir admissão à vida monástica.
No ano de 1113, já bem amadurecido,
Bernardo pediu e foi acolhido junto com seus familiares e amigos homens no
mosteiro de Citêaux, mas, apesar da experiência familiar anterior em comum, a
vida ali não lhe seria fácil. A natureza, porém, muito o ajudava na
contemplação, como ele mesmo confessa ao escrever: “Tu encontrarás mais coisas nas florestas do que nos livros; as árvores
e as pedras te ensinarão mais do que qualquer mestre te poderá dizer”. O
espírito contemplativo de Bernardo o fazia passar todo o período de noviciado
absorto em Deus, de modo que nem prestava atenção ao que à sua volta pudesse
distraí-lo da meta almejada: buscar ao Senhor na simplicidade, no silêncio e,
sobretudo, na oração do Ofício e na meditação da Sagrada Escritura pela Lectio Divina, aspectos centrais da vida
monástica cisterciense.
No ano de 1115, Bernardo foi ordenado
sacerdote e mandado por Santo Estêvão Harding, na época o novo superior do
mosteiro, com outros doze monges, seus parentes e amigos que com ele entraram
em Citêaux, para fundarem o mosteiro de Claraval (Clairvaux), o Vale Luminoso.
Mas por que a escolha do local? –
Porque um vale isolado e percorrido por um córrego facilitava a ascese, a penitência, a oração e o trabalho de
cultivo do campo para o próprio sustento. Providencia-se a construção de alguns
casebres de madeira, a cela do abade e uma capela de alvenaria. Bernardo se
instala numa cela exígua. Ele tinha o desejo de acolher bem a todos os que ali
chegavam para uma experiência monástica. Não importa se traziam ou não uma
carta de recomendação de seus respectivos Abades. Para ele o que mais importa
era a pessoa que chegou, ávida de melhor servir a Deus na liberdade de sua
consciência.
O mosteiro de Claraval se enchia de
vocações, seja porque muitos procuravam Bernardo, seja porque eram por ele
procurados.
Ao sair de viagem, Bernardo fazia pregações e
sempre atraía muitos jovens ou adultos para o glorioso mosteiro, de modo que
seu biógrafo “encontrou oitocentas e noventa cartas de promessas de monges que
tinham vindo a Claraval, sem contar os irmãos, leigos e conversos, esses
camponeses nas granjas que ajudavam os monges de coro a trabalhar os campos”.
A atração mais estrondosa foi a de
Henrique de França, irmão do Rei Luís VII. Esse príncipe foi a Claraval tratar
de um importante assunto com São Bernardo. Quando ia sair, pediu para ver todos
os monges, a fim de se recomendar às suas orações. Bernardo disse-lhe que logo
experimentaria a eficácia dessas orações. No mesmo dia, Henrique sentiu-se tão
tocado pela graça que, esquecendo-se de que era então o sucessor da coroa, quis
ficar em Claraval. Mais tarde foi Bispo de Beauvais, e depois Arcebispo de
Reims.
Diz-se, inclusive, que, ao saberem que
o santo iria passar por uma região, as mulheres cuidavam de trancar em casa
seus filhos e maridos, com medo que abandonassem tudo e seguissem Bernardo,
tamanho era seu poder de persuasão ao falar do Reino de Deus e da vida monástica.
No fim de sua vida terrena, declarou: “Subi
à parte superior de mim mesmo e ainda mais alto reina o Verbo Explorador. Curioso
que sou, desci ao fundo de mim mesmo e o encontrei ainda mais baixo. Olhei para
fora e o percebi no além de tudo. Olhei para dentro, e pareceu-me muito mais
íntimo do que eu mesmo. Quando ele entra em mim, o Verbo não trai sua presença
por nenhuma sensação. É somente o secreto estremecimento do meu coração que o
patenteia. Meus vícios fogem, minhas afeições carnais são dominadas, minha alma
se transforma, o homem interior se renova, e em mim está como que a sombra de
seu Esplendor”.
São Bernardo, no dia 20 de agosto de 1153, em
sua querida Claraval, cercado de seus monges, entregou sua alma a Deus. Já em
1174, decorridos apenas vinte anos de sua morte, o papa Alexandre III o
proclamou santo.
Possa o belo exemplo de São Bernardo
de Claraval inspirar muitas e santas vocações à Igreja de nossos dias, não só à
vida monástica, mas a outros gêneros de vida consagrada, cujo testemunho o
mundo muito necessita. Que tenhamos a autenticidade e o entusiasmo de Bernardo
de Claraval a propor aos jovens de hoje a alegria da entrega a Deus no serviço
aos irmãos e irmãs.
Cardeal Orani João Tempesta
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