quinta-feira, 19 de março de 2020

Querida Amazônia: A inculturação da liturgia - nºs 81 a 84


A inculturação da espiritualidade cristã nas culturas dos povos nativos encontra, nos Sacramentos, um caminho particularmente valioso, porque neles se unem o divino e o cósmico, a graça e a criação. Na Amazônia, os Sacramentos não deveriam ser vistos como separação da criação, pois constituem um modo privilegiado em que a natureza é assumida por Deus e transformada em mediação da vida sobrenatural. São uma plenificação da criação, na qual a natureza é elevada para ser lugar e instrumento da graça, para abraçar o mundo num plano diferente.

Na Eucaristia vemos que, no apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria. (…) [Ela] une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação. Por isso, a Eucaristia pode ser fonte de luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio ambiente, e leva-nos a ser guardiões da criação inteira. Assim, não fugimos do mundo, nem negamos a natureza, quando queremos encontrar-nos com Deus. Isto permite-nos receber na liturgia muitos elementos próprios da experiência dos indígenas no seu contato íntimo com a natureza e estimular expressões autóctones em cantos, danças, ritos, gestos e símbolos. O Concílio Vaticano II solicitara este esforço de inculturação da liturgia nos povos indígenas, mas passaram-se já mais de cinquenta anos e pouco avançamos nesta linha.

No domingo, a espiritualidade cristã integra o valor do repouso e da festa. O ser humano tende a reduzir o descanso contemplativo ao âmbito do estéril ou do inútil, esquecendo que deste modo se tira à obra realizada o mais importante: o seu significado. Na nossa atividade, somos chamados a incluir uma dimensão receptiva e gratuita. Os povos nativos conhecem esta gratuidade e este sadio lazer contemplativo. As nossas celebrações deveriam ajudá-los a viver esta experiência na liturgia dominical e encontrar a luz da Palavra e da Eucaristia que ilumina as nossas vidas concretas.

Os Sacramentos mostram e comunicam o Deus próximo que vem, com misericórdia, curar e fortalecer os seus filhos. Por isso, devem ser acessíveis, sobretudo aos pobres, e nunca devem ser negados por razões de dinheiro. Nem é admissível, face aos pobres e abandonados da Amazônia, uma disciplina que exclua e afaste, porque assim acabam descartados por uma Igreja transformada numa alfândega. Pelo contrário, nas situações difíceis em que vivem as pessoas mais necessitadas, a Igreja deve pôr um cuidado especial em compreender, consolar e integrar, evitando impor-lhes um conjunto de normas como se fossem uma rocha, tendo como resultado fazê-las sentir-se julgadas e abandonadas precisamente por aquela Mãe que é chamada a levar-lhes a misericórdia de Deus. Segundo a Igreja, a misericórdia pode tornar-se uma mera expressão romântica, se não se manifestar concretamente no serviço pastoral.


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