Deus não cessa jamais de vir ao nosso encontro:
é Deus conosco, acompanha-nos ao longo das estradas por vezes poeirentas da
nossa vida e, sabendo da nossa pungente nostalgia de amor e felicidade,
chama-nos à alegria.
Na diversidade e especificidade de cada
vocação, pessoal e eclesial, trata-se de escutar, discernir e viver esta
Palavra que nos chama do Alto e, ao mesmo tempo que nos permite pôr a render os
nossos talentos, faz de nós também instrumentos de salvação no mundo e
orienta-nos para a plenitude da felicidade.
Estes três aspetos – escuta, discernimento
e vida – servem de moldura também ao início da missão de Jesus: passados
os quarenta dias de oração e luta no deserto, visita a sua sinagoga de Nazaré
e, ali, põe-Se à escuta da Palavra, discerne o conteúdo da missão que o Pai Lhe
confia e anuncia que veio realizá-la “hoje”.
Escutar:
O chamado do Senhor não possui a evidência
própria de uma das muitas coisas que podemos ouvir, ver ou tocar na nossa
experiência diária. Deus vem de forma silenciosa e discreta, sem Se impor à
nossa liberdade. Assim pode acontecer que a sua voz fique sufocada pelas
muitas inquietações e solicitações que ocupam a nossa mente e o nosso coração.
Por isso, é preciso preparar-se para uma escuta
profunda da sua Palavra e da vida, prestar atenção aos próprios detalhes do
nosso dia-a-dia, aprender a ler os acontecimentos com os olhos da fé e
manter-se aberto às surpresas do Espírito.
Não poderemos descobrir a chamada especial e
pessoal que Deus pensou para nós, se ficarmos fechados em nós mesmos, nos
nossos hábitos e na apatia de quem desperdiça a sua vida no círculo restrito do
próprio eu, perdendo a oportunidade de sonhar em grande e tornar-se
protagonista daquela história única e original que Deus quer escrever conosco.
Também Jesus foi chamado e enviado; por isso,
precisou de Se recolher no silêncio, escutou e leu a Palavra na Sinagoga e, com
a luz e a força do Espírito Santo, desvendou em plenitude o seu significado
relativamente à sua própria pessoa e à história do povo de Israel.
Hoje este comportamento vai-se tornando cada
vez mais difícil, imersos como estamos numa sociedade rumorosa, na abundância
frenética de estímulos e informações que enchem a nossa jornada. À barafunda
exterior, que às vezes domina as nossas cidades e bairros, corresponde
frequentemente uma dispersão e confusão interior, que não nos permite parar,
provar o gosto da contemplação, refletir com serenidade sobre os acontecimentos
da nossa vida e realizar um profícuo discernimento, confiados no desígnio
amoroso de Deus a nosso respeito.
Mas, como sabemos, o Reino de Deus vem sem
fazer rumor nem chamar a atenção, e só é possível individuar os seus germes
quando sabemos, como o profeta Elias, entrar nas profundezas do nosso espírito,
deixando que este se abra ao sopro imperceptível da brisa divina.
Discernir:
Na sinagoga de Nazaré, ao ler a passagem do
profeta Isaías, Jesus discerne o conteúdo da missão para a qual foi enviado e
apresenta-o aos que esperavam o Messias: “O Espírito do Senhor está sobre
Mim; porque Me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-Me a proclamar
a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em
liberdade os oprimidos, a proclamar o ano favorável da parte do Senhor”.
De igual modo, cada um de nós só pode descobrir
a sua própria vocação através do discernimento espiritual, um processo pelo qual
a pessoa, em diálogo com o Senhor e na escuta da voz do Espírito, chega a fazer
as opções fundamentais, a começar pela do seu estado da vida.
Em particular, descobrimos que a vocação cristã
tem sempre uma dimensão profética. Como nos atesta a Escritura, os profetas são
enviados ao povo, em situações de grande precariedade material e de crise
espiritual e moral, para lhe comunicar em nome de Deus palavras de conversão,
esperança e consolação. Como um vento que levanta o pó, o profeta perturba a
falsa tranquilidade da consciência que esqueceu a Palavra do Senhor, discerne
os acontecimentos à luz da promessa de Deus e ajuda o povo a vislumbrar, nas trevas
da história, os sinais duma aurora.
Também hoje temos grande necessidade do
discernimento e da profecia, de superar as tentações da ideologia e do
fatalismo e de descobrir, no relacionamento com o Senhor, os lugares,
instrumentos e situações através dos quais Ele nos chama. Todo o cristão
deveria poder desenvolver a capacidade de ler por dentro a vida e individuar
onde e para que o está a chamar o Senhor a fim de ser continuador da sua
missão.
Viver:
Por último, Jesus anuncia a novidade da hora
presente, que entusiasmará a muitos e endurecerá a outros: cumpriu-se o tempo,
sendo Ele o Messias anunciado por Isaías, ungido para libertar os cativos,
devolver a vista aos cegos e proclamar o amor misericordioso de Deus a toda a
criatura. Precisamente “cumpriu-se hoje – afirma Jesus – esta
passagem da Escritura que acabais de ouvir”.
A alegria do Evangelho, que nos abre ao
encontro com Deus e os irmãos, não pode esperar pelas nossas lentidões e
preguiças; não nos toca, se ficarmos debruçados à janela, com a desculpa de
continuar à espera dum tempo favorável; nem se cumpre para nós, se hoje mesmo
não abraçarmos o risco duma escolha. A vocação é hoje! A missão cristã é para o
momento presente! E cada um de nós é chamado – à vida laical no matrimónio, à
vida sacerdotal no ministério ordenado, ou à vida de especial consagração –
para se tornar testemunha do Senhor, aqui e agora.
Realmente este hoje proclamado por Jesus
assegura-nos que Deus continua a descer para salvar esta nossa humanidade e
fazer-nos participantes da sua missão. O Senhor continua ainda a chamar para
viver com Ele e segui-Lo numa particular relação de proximidade ao seu serviço
direto. E, se fizer intuir que nos chama a consagrar-nos totalmente ao seu
Reino, não devemos ter medo. É belo – e uma graça grande – estar inteiramente e
para sempre consagrados a Deus e ao serviço dos irmãos!
O Senhor continua hoje a chamar para O
seguir. Não temos de esperar que sejamos perfeitos para dar como resposta o
nosso generoso eis-me aqui, nem nos assustar com as nossas limitações e
pecados, mas acolher a voz do Senhor com coração aberto.
Escutá-la, discernir a nossa missão pessoal na
Igreja e no mundo e, finalmente, vivê-la no hoje que Deus nos concede.
Maria Santíssima, a jovem menina de periferia
que escutou, acolheu e viveu a Palavra de Deus feita carne, nos guarde e sempre
acompanhe no nosso caminho.
Papa Francisco - 3 de dezembro de 2017
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