Desde os primeiros séculos da Igreja católica,
elevou o povo cristão orações e cânticos de louvor e de devoção à Rainha do céu
tanto nos momentos de alegria, como sobretudo quando se via ameaçado por graves
perigos; e nunca foi frustrada a esperança posta na Mãe do Rei divino, Jesus
Cristo, nem se enfraqueceu a fé, que nos ensina reinar com materno coração no
universo inteiro a Virgem Maria, Mãe de Deus, assim como está coroada de glória
na bem-aventurança celeste.
Assim, baseando-se nas palavras do arcanjo
Gabriel, que predisse o reino eterno do Filho de Maria, e nas de Isabel, que se
inclinou diante dela e a saudou como "Mãe do meu Senhor", compreende-se
que já os antigos escritores eclesiásticos chamassem a Maria "mãe do
Rei" e "Mãe do Senhor", dando claramente a entender que da
realeza do Filho derivara para a Mãe certa elevação e preeminência.
Santo Efrém, com grande inspiração poética, põe
estas palavras na boca de Maria: "Erga-me o firmamento nos seus braços,
porque eu estou mais honrada do que ele. O céu não foi tua mãe, e fizeste dele
teu trono. Ora, quanto mais se deve honrar e venerar a mãe do Rei, do que o seu
trono!" Em outro passo, assim invoca a Maria santíssima: "...Virgem
augusta e protetora, rainha e senhora, protege-me à tua sombra, guarda-me, para
que Satanás, que semeia ruínas, não me ataque, nem triunfe de mim o iníquo
adversário".
A Maria chama São Gregório Nazianzeno "Mãe
do Rei de todo o universo", "Mãe virgem, deu à luz o Rei do todo o
mundo".
Já numa homilia atribuída a Orígenes, Maria é
chamada por Isabel não só "Mãe do meu Senhor" mas também "Tu,
minha Senhora".
O mesmo conceito se pode deduzir dum texto de São
Jerônimo, que expõe o próprio parecer acerca das várias interpretações do nome
de Maria: "Saiba-se que Maria, na língua siríaca, significa
Senhora". Igualmente e com mais decisão, se exprime depois São Pedro
Crisólogo: "O nome hebraico Maria traduz-se por "Domina" em
latim: "portanto o anjo chama-lhe Senhora para livrar do temor de escrava
a mãe do Dominador, a qual nasce e se chama Senhora pelo poder do Filho".
Santo André Cretense atribui muitas vezes a
dignidade real à virgem Maria; escreve, por exemplo: "Leva [Jesus
Cristo] neste dia da morada terrestre [para o céu], como rainha do gênero
humano, a sua Mãe sempre virgem, em cujo seio, permanecendo Deus, tomou a carne
humana". E noutro lugar: "Rainha de todo o gênero humano,
porque, fiel à significação do seu nome, se encontra acima de tudo quanto não é
Deus".
Do mesmo modo se dirige São Germano à humildade
da Virgem: "Senta-te, ó Senhora; sendo tu Rainha e mais eminente que
todos os reis, pertence-te estar sentada no lugar mais nobre"; e
chama-lhe: "Senhora de todos aqueles que habitam a terra".
São João Damasceno proclama-a "rainha,
protetora e senhora" e também: "senhora de todas as criaturas".
Finalmente, Santo Ildefonso de Toledo
resume-lhe quase todos os títulos de honra nesta saudação: "Ó minha
senhora, minha dominadora: tu dominas em mim, ó mãe do meu Senhor... Senhora
entre as escravas, rainha entre as irmãs".
Recolhendo a lição desses e outros inumeráveis
testemunhos antigos, chamaram os teólogos a santíssima Virgem, rainha de todas
as coisas criadas, rainha do mundo e senhora do universo.
Por isso, Santo Afonso de Ligório, tendo
presente todos os testemunhos dos séculos precedentes, pôde escrever com a
maior devoção: "Porque a virgem Maria foi elevada até ser Mãe do Rei
dos reis, com justa razão a distingue a Igreja com o título de Rainha".
E certo que no sentido pleno, próprio e
absoluto, somente Jesus Cristo, Deus e homem, é rei; mas também Maria – de
maneira limitada e analógica, como Mãe de Cristo-Deus e como associada à obra
do divino Redentor, à sua luta contra os inimigos e ao triunfo deles obtido
participa da dignidade real. De fato, dessa união com Cristo-Rei deriva para
ela tão esplendente sublimidade, que supera a excelência de todas as coisas
criadas: dessa mesma união com Cristo nasce aquele poder real, pelo qual ela
pode dispensar os tesouros do reino do Redentor divino; finalmente, da mesma
união com Cristo se origina a inexaurível eficácia da sua intercessão junto do
Filho e do Pai.
Portanto, não há dúvida alguma que Maria
santíssima se avantaja em dignidade a todas as coisas criadas e tem sobre todas
o primado, a seguir ao seu Filho.
Dos testemunhos da antiguidade cristã, das
orações da liturgia, da inata devoção do povo cristão, das obras artísticas, de
toda a parte recolhemos expressões que nos mostram que a virgem Mãe de Deus se
distingue pela sua dignidade real; mostramos também que as razões, deduzidas
pela sagrada teologia do tesouro da fé divina, confirmam plenamente essa
verdade. De tantos testemunhos referidos forma-se uma espécie de concerto harmonioso
que exalta a incomparável dignidade real da Mãe de Deus e dos homens, a qual
domina todas as coisas criadas e foi elevada aos reinos celestes, acima dos
coros dos anjos.
Depois de atentas e ponderadas reflexões, tendo
chegado à convicção de que seriam grandes as vantagens para a Igreja, se essa
verdade solidamente demonstrada resplandecesse com maior evidência diante de
todos como luz que brilha mais, quando posta no candelabro, – com a nossa
autoridade apostólica decretamos e instituímos a festa de Maria rainha.
Papa Pio XII - Trechos
da Encíclica Ad Caeli Reginam - 11 de outubro de 1954
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