"São Bento: O homem de Deus que
brilhou nesta terra com tantos milagres não resplandeceu menos pela eloquência
com que soube expor a sua doutrina" São Gregório Magno.
O grande Papa escreveu estas
palavras no ano de 592; o santo monge tinha falecido 50 anos antes e ainda
estava vivo na memória do povo sobretudo na florescente Ordem religiosa por ele
fundada.
São Bento de Núrcia com a
sua vida e a sua obra exerceu uma influência fundamental sobre o
desenvolvimento da civilização e da cultura europeia. A fonte mais importante
sobre a sua vida é o segundo livro dos Diálogos de São Gregório Magno.
Não é uma biografia no
sentido clássico. Segundo as ideias do seu tempo, ele pretende ilustrar
mediante o exemplo de um homem concreto precisamente de São Bento a subida aos
cumes da contemplação, que pode ser realizada por quem se abandona a Deus.
Portanto, tem-se um modelo da vida humana como subida para o vértice da perfeição.
São Gregório Magno narra também, neste livro dos Diálogos,
de muitos milagres realizados pelo Santo, e também aqui não quer narrar
simplesmente algo de estranho, mas demonstrar como Deus, admoestando, ajudando
e também punindo, intervenha nas situações concretas da vida do homem. Quer
mostrar que Deus não é uma hipótese distante colocada na origem do mundo, mas
está presente na vida do homem, de cada homem.
De fato, a obra do Santo e,
de modo particular, a sua Regra revelaram-se portadoras de um autêntico fermento
espiritual, que mudou no decorrer dos séculos, muito além dos confins da sua
Pátria e do seu tempo, o rosto da Europa, suscitando depois da queda da unidade
política criada pelo império romano uma nova unidade espiritual e cultural, a
da fé cristã partilhada pelos povos do continente. Surgiu precisamente assim a
realidade à qual nós chamamos "Europa".
O nascimento de São Bento é
datado por volta de 480. Provinha, assim diz São Gregório, "ex provincia
Nursiae" da região da Núrsia. Os seus pais abastados enviaram-no para Roma
para a sua formação nos estudos. Mas ele não permaneceu por muito tempo na
Cidade eterna. Como explicação plenamente credível, Gregório menciona o fato de
que o jovem Bento sentia repugnância pelo estilo de vida de muitos dos seus
companheiros de estudos, que viviam de modo dissoluto, e não queria cair nos
mesmos erros deles. Desejava aprazer unicamente a Deus.
Assim, ainda antes da
conclusão dos seus estudos, Bento deixou Roma e retirou-se na solidão dos
montes a leste da cidade. Depois de uma primeira estadia na aldeia de Effide,
onde durante um certo período se associou a uma "comunidade
religiosa" de monges, fez-se eremita na vizinha Subiaco. Ali viveu durante
três anos completamente sozinho numa gruta que, a partir da Alta Idade Média,
constitui o "coração" de um mosteiro beneditino chamado "Sagrada
Espelunca".
O período em Subiaco,
marcado pela solidão com Deus, foi para Bento um tempo de maturação. Ali tinha
que suportar e superar as três tentações fundamentais de cada ser humano: a
tentação da autossuficiência e do desejo de se colocar no centro, a tentação da
sensualidade e, por fim, a tentação da ira e da vingança. De fato, Bento estava
convencido de que, só depois de ter vencido estas tentações, ele teria podido dizer
aos outros uma palavra útil para as suas situações de necessidade. E assim,
tendo a alma pacificada, estava em condições de controlar plenamente as pulsões
do eu, para deste modo ser um criador de paz em seu redor. Só então decidiu
fundar os seus primeiros mosteiros no vale do Anio, perto de Subiaco.
No ano de 529 Bento deixou
Subiaco para se estabelecer em Montecassino. Alguns explicaram esta
transferência como uma fuga das maquinações de um invejoso eclesiástico local.
Mas esta tentativa de explicação revelou-se pouco convincente, dado que Bento
não regressou para lá depois da morte repentina do mesmo. Na realidade, esta
decisão impôs-se-lhe porque tinha entrado numa nova fase da sua maturação
interior e da sua experiência monástica.
Segundo Gregório Magno, o
Êxodo do vale remoto do Anio para Monte Cassio uma altura que, dominando a
vasta planície circunstante, se vê ao longe reveste um caráter simbólico: a
vida monástica no escondimento tem uma sua razão de ser, mas um mosteiro tem
também uma sua finalidade pública na vida da Igreja e da sociedade, deve dar
visibilidade à fé como força de vida. De fato, quando, em 21 de Março de 574,
Bento concluiu a sua vida terrena, deixou com a sua Regra e com a
família beneditina por ele fundada um patrimônio que deu nos séculos passados e
ainda hoje continua a dar frutos em todo o mundo.
Em todo o segundo livro dos Diálogos Gregório
ilustra-nos como a vida de São Bento estivesse imersa numa atmosfera de oração,
fundamento importante da sua existência. Sem oração não há experiência de
Deus.
Mas a espiritualidade de
Bento não era uma interioridade fora da realidade. Na agitação e na confusão do
seu tempo, ele vivia sob o olhar de Deus e precisamente assim nunca perdeu de
vista os deveres da vida quotidiana e o homem com as suas necessidades
concretas. Ao ver Deus compreendeu a realidade do homem e a sua missão. Na sua Regra ele
qualifica a vida monástica "uma escola ao serviço do Senhor" e pede
aos seus monges que "à Obra de Deus [ou seja, ao Ofício Divino ou à Liturgia
das Horas] nada se anteponha”.
Mas ressalta que a oração é
em primeiro lugar um ato de escuta, que depois se deve traduzir em ação
concreta.
"O Senhor aguarda
que nós respondamos todos os dias com os fatos aos seus ensinamentos", afirma ele. Assim a vida do monge torna-se uma
simbiose fecunda entre ação e contemplação "para que em tudo seja
glorificado Deus". Em contraste com uma autorrealização fácil e
egocêntrica, hoje com frequência exaltada, o primeiro e irrenunciável
compromisso do discípulo de São Bento é a busca sincera de Deus sobre o caminho
traçado pelo Cristo humilde e obediente, ao amor do qual ele nada deve
antepor e precisamente assim, no
serviço do outro, se torna homem do serviço e da paz. Na prática da obediência
realizada com uma fé animada pelo amor, o monge conquista a humildade, à qual a
Regra dedica um capítulo inteiro. Desta forma o homem torna-se cada vez mais
conforme com Cristo e alcança a verdadeira autorrealização como criatura à
imagem e semelhança de Deus.
À obediência do discípulo
deve corresponder a sabedoria do Abade, que no mosteiro desempenha "as
funções de Cristo" . A sua figura, delineada sobretudo no segundo capítulo
da Regra, com um perfil de espiritual beleza e de compromisso exigente, pode
ser considerada como um autorretrato de Bento, porque como escreve Gregório
Magno "o Santo não pôde de modo algum ensinar de uma forma diferente da
qual viveu". O Abade deve ser ao mesmo tempo terno e mestre severo, um
verdadeiro educador. Inflexível contra os vícios, é contudo chamado sobretudo a
imitar a ternura do Bom Pastor, a "ajudar e não a dominar" (64, 8), a
"acentuar mais com os fatos do que com as palavras tudo o que é bom e
santo" e a "ilustrar os mandamentos divinos com o seu exemplo".
Para ser capaz de decidir responsavelmente, também o Abade deve ser homem que
escuta "os conselhos dos irmãos", porque "muitas vezes Deus
revela ao mais jovem a solução melhor". Esta disposição torna
surpreendentemente moderna uma Regra escrita há quase quinze séculos! Um homem de responsabilidade
pública, e também em pequenos âmbitos, deve ser sempre também um homem que sabe
ouvir e aprender de quanto ouve.
Bento qualifica a Regra como
"mínima, traçada só para o início"; mas na realidade ela pode
oferecer indicações úteis não só para os monges, mas também para todos os que
procuram uma guia no seu caminho rumo a Deus. Pela sua ponderação, a sua
humanidade e o seu discernimento entre o essencial e o secundário na vida
espiritual, ele pôde manter a sua força iluminadora até hoje.
Paulo VI, proclamando a 24 de Outubro de 1964, São
Bento Padroeiro da Europa, pretendeu reconhecer a obra maravilhosa desempenhada
pelo Santo mediante a Regra para a formação da civilização e da cultura europeia.
Hoje a Europa que acabou de
sair de um século profundamente ferido por duas guerras mundiais e depois do
desmoronamento das grandes ideologias que se revelaram como trágicas utopias
está em busca da própria identidade. Para criar uma unidade nova e duradoura,
são sem dúvida importantes os instrumentos políticos, econômicos e jurídicos,
mas é preciso também suscitar uma renovação ética e espiritual que se inspire
nas raízes cristãs do Continente, porque de outra forma não se pode reconstruir
a Europa. Sem esta linfa vital, o homem permanece exposto ao perigo de sucumbir
à antiga tentação de se querer remir sozinho, utopia que, de formas diferentes,
na Europa do século XX causou, como revelou o Papa João Paulo II, "um
regresso sem precedentes ao tormento histórico da humanidade". Procurando
o verdadeiro progresso, ouvimos também hoje a Regra de São
Bento como uma luz para o nosso caminho. O grande monge permanece um verdadeiro
mestre em cuja escola podemos aprender a arte de viver o humanismo verdadeiro.
Papa Bento XVI
09/04/2008
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