Assim poderão nascer
testemunhos de santidade com rosto amazônico, que não sejam cópias de modelos
doutros lugares, santidade feita de encontro e dedicação, de contemplação e
serviço, de solidão acolhedora e vida comum, de jubilosa sobriedade e luta pela
justiça. Chega-se a esta santidade cada um por seu caminho, e isto aplica-se
também aos povos, onde a graça se encarna e brilha com traços distintivos.
Imaginemos uma santidade com traços amazónicos, chamada a interpelar a Igreja
universal.
Um processo de
inculturação, que implica caminhos não só individuais, mas também comunitários,
exige um amor ao povo cheio de respeito e compreensão. Em boa parte da Amazônia,
este processo já começou. Há mais de quarenta anos, os bispos da Amazônia do
Peru assinalavam que, em muitos dos grupos presentes naquela região, o sujeito
de evangelização, modelado por uma cultura própria, multiforme e mutável, está
inicialmente evangelizado, pois possui certos traços de catolicismo popular
que, embora num primeiro tempo talvez tenham sido promovidos por agentes
pastorais, atualmente são uma realidade que o povo assumiu e até mudou o seu
significado transmitindo-os de geração em geração. Não nos apressemos a
qualificar como superstição ou paganismo certas expressões religiosas que
nascem, espontaneamente, da vida do povo. Antes, é necessário saber reconhecer
o trigo que cresce no meio do joio, porque, na piedade popular, pode-se captar
a modalidade em que a fé recebida se encarnou numa cultura e continua a
transmitir-se.
É possível receber,
de alguma forma, um símbolo indígena sem o qualificar necessariamente como
idolátrico. Um mito denso de sentido espiritual pode ser valorizado, sem
continuar a considerá-lo um extravio pagão. Algumas festas religiosas contêm um
significado sagrado e são espaços de reunião e fraternidade, embora se exija um
lento processo de purificação e maturação. Um verdadeiro missionário procura
descobrir as aspirações legítimas que passam através das manifestações
religiosas, às vezes imperfeitas, parciais ou equivocadas, e tenta dar-lhes
resposta a partir duma espiritualidade inculturada.
Será, sem
dúvida, uma espiritualidade centrada no único Deus e Senhor, mas ao mesmo tempo
capaz de entrar em contacto com as necessidades diárias das pessoas que
procuram uma vida digna, querem gozar as coisas belas da existência, encontrar
a paz e a harmonia, resolver as crises familiares, curar as suas doenças, ver
os seus filhos crescerem felizes. O pior perigo seria afastá-los do encontro
com Cristo, apresentando-O como um inimigo da alegria ou como alguém que é
indiferente às aspirações e angústias humanas. Hoje é indispensável mostrar que
a santidade não priva as pessoas de forças, vida e alegria.
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