quarta-feira, 18 de março de 2020

Querida Amazônia: Pontos de partida para uma santidade amazônica - nºs 77 a 80


Assim poderão nascer testemunhos de santidade com rosto amazônico, que não sejam cópias de modelos doutros lugares, santidade feita de encontro e dedicação, de contemplação e serviço, de solidão acolhedora e vida comum, de jubilosa sobriedade e luta pela justiça. Chega-se a esta santidade cada um por seu caminho, e isto aplica-se também aos povos, onde a graça se encarna e brilha com traços distintivos. Imaginemos uma santidade com traços amazónicos, chamada a interpelar a Igreja universal.

Um processo de inculturação, que implica caminhos não só individuais, mas também comunitários, exige um amor ao povo cheio de respeito e compreensão. Em boa parte da Amazônia, este processo já começou. Há mais de quarenta anos, os bispos da Amazônia do Peru assinalavam que, em muitos dos grupos presentes naquela região, o sujeito de evangelização, modelado por uma cultura própria, multiforme e mutável, está inicialmente evangelizado, pois possui certos traços de catolicismo popular que, embora num primeiro tempo talvez tenham sido promovidos por agentes pastorais, atualmente são uma realidade que o povo assumiu e até mudou o seu significado transmitindo-os de geração em geração. Não nos apressemos a qualificar como superstição ou paganismo certas expressões religiosas que nascem, espontaneamente, da vida do povo. Antes, é necessário saber reconhecer o trigo que cresce no meio do joio, porque, na piedade popular, pode-se captar a modalidade em que a fé recebida se encarnou numa cultura e continua a transmitir-se.

É possível receber, de alguma forma, um símbolo indígena sem o qualificar necessariamente como idolátrico. Um mito denso de sentido espiritual pode ser valorizado, sem continuar a considerá-lo um extravio pagão. Algumas festas religiosas contêm um significado sagrado e são espaços de reunião e fraternidade, embora se exija um lento processo de purificação e maturação. Um verdadeiro missionário procura descobrir as aspirações legítimas que passam através das manifestações religiosas, às vezes imperfeitas, parciais ou equivocadas, e tenta dar-lhes resposta a partir duma espiritualidade inculturada.

Será, sem dúvida, uma espiritualidade centrada no único Deus e Senhor, mas ao mesmo tempo capaz de entrar em contacto com as necessidades diárias das pessoas que procuram uma vida digna, querem gozar as coisas belas da existência, encontrar a paz e a harmonia, resolver as crises familiares, curar as suas doenças, ver os seus filhos crescerem felizes. O pior perigo seria afastá-los do encontro com Cristo, apresentando-O como um inimigo da alegria ou como alguém que é indiferente às aspirações e angústias humanas. Hoje é indispensável mostrar que a santidade não priva as pessoas de forças, vida e alegria.


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