“Recebestes de graça, dai de graça”
(Mt 10, 8): estas são palavras pronunciadas por Jesus, quando enviou os
apóstolos a espalhar o Evangelho, para que, através de gestos de amor gratuito,
se propagasse o seu Reino.
Por ocasião do
XXVII Dia Mundial do Doente, a Igreja – Mãe de todos os seus filhos, mas com
uma solicitude especial pelos doentes – lembra que o caminho mais credível de
evangelização são gestos de dom gratuito como os do Bom Samaritano. O cuidado dos doentes precisa de
profissionalismo e ternura, de gestos gratuitos, imediatos e simples, como uma
carícia, pelos quais fazemos sentir ao outro que nos é “querido”.
A vida é dom de
Deus, pois – como adverte São Paulo – “que tens tu que não tenhas recebido?” (1
Cor 4, 7). E, precisamente porque é dom, a existência não pode ser
considerada como mera possessão ou propriedade privada, sobretudo à vista das
conquistas da medicina e da biotecnologia, que poderiam induzir o homem a ceder
à tentação de manipular a “árvore da vida” (cf. Gn 3, 24).
Todo o homem é pobre, necessitado e indigente.
Quando nascemos, para viver tivemos necessidade dos cuidados dos nossos pais;
de forma semelhante, em cada fase e etapa da vida, cada um de nós nunca
conseguirá, de todo, ver-se livre da necessidade e da ajuda alheia, nunca
conseguirá arrancar de si mesmo o limite da impotência face a alguém ou a
alguma coisa. Também esta é uma condição que caracteriza o nosso ser de “criaturas”.
O reconhecimento leal desta verdade convida-nos a permanecer humildes e a
praticar com coragem a solidariedade, como virtude indispensável à existência.
Esta consciência
impele-nos a uma práxis responsável e responsabilizadora, tendo em vista um bem
que é indivisivelmente pessoal e comum. Apenas quando o homem se concebe, não
como um mundo fechado em si mesmo, mas como alguém que, por sua natureza, está
ligado a todos os outros, originariamente sentidos como “irmãos”, é possível
uma práxis social solidária, orientada para o bem comum. Não devemos ter medo de nos reconhecermos necessitados e incapazes de
nos darmos tudo aquilo de que teríamos necessidade, porque não conseguimos,
sozinhos e apenas com as nossas forças, vencer todos os limites. Não
temamos este reconhecimento, porque o próprio Deus, em Jesus, Se rebaixou, e
rebaixa, até nós e até às nossas pobrezas para nos ajudar e dar aqueles bens
que, sozinhos, nunca poderíamos ter.
A gratuidade humana
é o fermento da ação dos voluntários, que têm tanta importância no setor sócio
sanitário e que vivem de modo eloquente a espiritualidade do Bom Samaritano.
Agradeço e encorajo
todas as associações de voluntariado que se ocupam do transporte e assistência
dos doentes, aquelas que providenciam nas doações de sangue, tecidos e órgãos.
Um campo especial onde a vossa presença expressa a solicitude da Igreja é o da
tutela dos direitos dos doentes, sobretudo de quantos se veem afetados por
patologias que exigem cuidados especiais, sem esquecer o campo da
sensibilização e da prevenção. Revestem-se
de importância fundamental os vossos serviços de voluntariado nas estruturas
sanitárias e no domicílio, que vão da assistência sanitária ao apoio
espiritual. Deles beneficiam tantas pessoas doentes, sós, idosas, com
fragilidades psíquicas e motoras. Exorto-vos a continuar a ser sinal da
presença da Igreja no mundo secularizado. O voluntário é um amigo
desinteressado, a quem se pode confidenciar pensamentos e emoções; através da
escuta, ele cria as condições para que o doente deixe de ser objeto passivo de
cuidados para se tornar sujeito ativo e protagonista duma relação de reciprocidade,
capaz de recuperar a esperança, mais disposto a aceitar as terapias. O voluntariado comunica valores,
comportamentos e estilos de vida que, no centro, têm o fermento da doação.
Deste modo realiza-se também a humanização dos tratamentos.
A dimensão da
gratuidade deveria animar sobretudo as estruturas sanitárias católicas, porque
é a lógica evangélica que qualifica a sua ação, quer nas zonas mais
desenvolvidas quer nas mais carentes do mundo. As estruturas católicas são
chamadas a expressar o sentido do dom, da gratuidade e da solidariedade, como
resposta à lógica do lucro a todo o custo, do dar para receber, da exploração
que não respeita as pessoas.
Exorto-vos a todos, nos vários níveis, a promover a
cultura da gratuidade e do dom, indispensável para superar a cultura do lucro e
do descarte. As instituições sanitárias católicas não
deveriam cair no estilo empresarial, mas salvaguardar mais o cuidado da pessoa
que o lucro. Sabemos que a saúde é relacional, depende da interação com os
outros e precisa de confiança, amizade e solidariedade; é um bem que só se pode
gozar “plenamente”, se for partilhado. A
alegria do dom gratuito é o indicador de saúde do cristão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário