"Jerônimo nasceu em Stridone
em 347, de uma família cristã, que lhe assegurou uma
formação apurada,
enviando-o a Roma para aperfeiçoar seus estudos. Quando jovem, sentiu a atração
pela vida mundana, mas prevaleceu nele o desejo e o interesse pela religião cristã.
Recebeu o batismo em 366,
orientou-se à vida ascética e foi viver em Aquileia, inserindo-se num grupo de
fervorosos cristãos, por ele definido quase como «um coro de beatos»
reunido em torno do Bispo Valeriano. Partiu depois para o Oriente e viveu como
eremita no deserto de Calcide, ao sul de Aleppo, dedicando-se seriamente aos
estudos.
Aperfeiçoou seu conhecimento
do grego, iniciou o estudo do hebraico, transcreveu códigos e obras
patrísticas. A meditação, a solidão, o contato com a Palavra de Deus fizeram-no
amadurecer sua sensibilidade cristã. Sentiu fortemente o peso das transgressões
juvenis e experimentou vivamente o contraste entre a mentalidade pagã e a vida
cristã: um contraste que ficou famoso pela dramática e vivaz «visão», da qual
ele nos deixou o relato. Nela, pareceu-lhe ser flagelado na presença de Deus,
porque era «ciceroniano e não cristão». (porque se dedicava mais a leitura dos clássicos do que a Palavra de Deus)
Em 382 transferiu-se a Roma:
aqui, o Papa Damaso, conhecendo sua fama de asceta e sua competência de
estudioso, nomeou-o secretário e conselheiro; encorajou-o a empreender uma nova
tradução latina dos textos bíblicos por motivos pastorais e culturais.
Algumas pessoas da
aristocracia romana, sobretudo nobres mulheres como Paula, Marcella, Asella,
Lea e outras, desejando empenharem-se no caminho da perfeição cristã e de
aprofundar seu conhecimento da Palavra de Deus, escolheram-no como seu guia
espiritual e mestre na aproximação metódica dos textos sacros. Estas nobres
mulheres aprenderam também o grego e o hebraico.
Depois da morte do Papa
Damaso, Jerônimo deixou Roma em 385 e lançou-se em peregrinação, primeiramente
à Terra Santa, silenciosa testemunha da vida terrena de Cristo, depois para o
Egito, terra de escolha de muitos monges.
Em 386 firmou-se em Belém,
onde, pela generosidade da Sra. Paula, foram construídos um mosteiro masculino,
um feminino e uma hospedaria para os peregrinos que viajavam à Terra Santa,
«pensando que Maria e José não tinham encontrado acolhida».
Ele ficou em Belém até a
morte, e continuou desenvolvendo uma intensa atividade: comentou a Palavra de
Deus; defendeu a fé, opondo-se vigorosamente a várias heresias; exortou os
monges à perfeição; lecionou cultura clássica e cristã a jovens; acolheu com
ânimo pastoral os peregrinos que visitavam a Terra Santa.
Faleceu em sua cela, junto à
gruta da Natividade, em 30 de setembro de 419/420.
A preparação literária e a
vasta erudição permitiram a Jerônimo a revisão e a tradução de muitos textos
bíblicos: um belíssimo trabalho para a Igreja e para a cultura ocidental. Com
base nos textos originais em grego e em hebraico, e graças ao confronto com
versões precedentes, ele fez a revisão dos quatro Evangelhos em língua latina,
depois do Saltério e de grande parte do Antigo Testamento.
Levando em conta o original
hebraico e grego, dos Setenta, a clássica versão grega do Antigo Testamento que
remonta a tempos antes do cristianismo, e das precedentes versões latinas,
Jerônimo, ajudado por outros colaboradores, pôde oferecer uma tradução melhor:
essa constitui a assim chamada «Vulgata», o texto «oficial» da Igreja
latina, que foi reconhecido como tal pelo Concílio de Trento e que, depois da
recente revisão, permanece sendo o texto «oficial» da Igreja de língua latina.
É interessante comprovar os
critérios aos quais o grande biblista se ateve em sua obra de tradutor. Ele
mesmo revela isso quando afirma respeitar até mesmo a ordem das palavras da
Sagrada Escritura, pois nela, diz, «até a ordem das palavras é um mistério»,
isto é, uma revelação.
Confirma também a
necessidade de recorrer aos textos originais: «No caso de surgir uma
discussão entre os Latinos sobre o Novo Testamento, pela leitura discordante
dos manuscritos, recorríamos ao original, isto é, ao texto grego, no qual foi escrito
o Novo Pacto. Da mesma forma, para o Antigo Testamento, se havia divergências
entre os textos gregos e latinos, íamos ao texto original, em hebraico; assim,
tudo aquilo que surge da fonte, podemos encontrar nos riachos».
Jerônimo, por outro lado,
comentou também muitos textos bíblicos. Para ele, os comentários devem oferecer
múltiplas opiniões, «de forma que o leitor prudente, depois de ter lido as
diversas explicações e de ter conhecido múltiplos pareceres – que tem de
aceitar ou rejeitar –, julgue qual é o melhor e, como um especialista agente de
câmbio, rejeite a moeda falsa».
Ele combateu com energia e
vivacidade os hereges que não aceitavam a tradição e a fé da Igreja. Demonstrou
também a importância e a validez da literatura cristã, convertida em uma
autêntica cultura que, para então, já era digna de ser confrontada com a
clássica; ele o fez redigindo «De viris illustribus», uma obra na qual Jerônimo
apresenta as biografias de mais de cem autores cristãos.
Ele escreveu biografias de
monges, ilustrando, junto a outros itinerários espirituais, o ideal monástico;
além disso, traduziu várias obras de autores gregos.
Por último, no importante
Epistolário, autêntica obra-prima da literatura latina, Jerônimo se destaca por
suas características de homem culto, asceta e guia das almas.
O que podemos aprender de
São Jerônimo? Sobretudo, penso o seguinte: amar a Palavra de Deus na Sagrada
Escritura. São Jerônimo diz: «Ignorar
as escrituras é ignorar Cristo».
Por isso, é importante que
todo cristão viva em contato e em diálogo pessoal com a Palavra de Deus, que
nos é entregue na Sagrada Escritura.
Este diálogo com ela deve
ter sempre duas dimensões: por um lado, deve haver um diálogo realmente
pessoal, pois Deus fala com cada um de nós através da Sagrada Escritura e tem
uma mensagem para cada um.
Não temos de ler a Sagrada
Escritura como uma palavra do passado, mas como Palavra de Deus que é dirigida
também a nós, e procurar entender o que o Senhor quer nos dizer.
Mas para não cair no
individualismo, temos de ter presente que a Palavra de Deus nos é dada
precisamente para construir comunhão, para unir-nos na verdade de nosso caminho
rumo a Deus. Portanto, apesar de que
sempre é uma Palavra pessoal, é também uma Palavra que edifica a comunidade,
que edifica a Igreja. Por isso, temos de lê-la em comunhão com a Igreja viva.
O lugar privilegiado da
leitura e da escuta da Palavra de Deus é a liturgia, na qual, ao celebrar a Palavra e ao tornar presente
o Sacramento do Corpo de Cristo, atualizamos a Palavra em nossa vida e a
fazemos presente entre nós.
Não podemos esquecer jamais
que a Palavra de Deus transcende os tempos. As opiniões humanas chegam e vão
embora. O que hoje é moderníssimo, amanhã será velhíssimo. A Palavra de Deus,
pelo contrário, é Palavra de vida eterna, tem em si a eternidade, o que vale
para sempre. Ao levar em nós a Palavra de Deus, levamos, portanto, a vida
eterna.
Concluo com uma frase
dirigida por São Jerônimo a São Paulino de Nola. Nela, o grande exegeta expressa
precisamente esta realidade, ou seja, na Palavra de Deus recebemos a
eternidade, a vida eterna.
São Jerônimo diz: «Procuremos aprender na terra
essas verdades cuja consistência permanecerá também no tempo»."
Papa Bento XVI
07/11/2007
Nenhum comentário:
Postar um comentário