«Não se pode servir a dois senhores»
Querer pôr a esperança e a confiança
em bens passageiros é querer fazer fundações em água corrente. Tudo passa; Deus
permanece. Agarrarmo-nos ao que é transitório é desligarmo-nos do que é
permanente. Quem, portanto, levado no turbilhão agitado de um rápido, consegue
manter-se firme em seu lugar, nessa torrente fragorosa? Se quisermos
recusar-nos a ser levados pela corrente, temos de nos afastar de tudo o que
corre; senão o objeto do nosso amor constranger-nos-á a chegar ao que
precisamente queremos evitar. Aquele que se agarra
aos bens transitórios será certamente arrastado até onde vão ter, à deriva,
essas coisas a que se apega.
A primeira coisa a fazer é pois
abstermo-nos de amar os bens materiais;
A segunda, não pormos total confiança
naqueles bens que nos são confiados para ser usados e não para ser desfrutados.
A alma que se prende a bens
perecíveis, apenas, depressa perde a sua própria estabilidade. O turbilhão da
vida atual arrasta quem nele se deixa ir, e é uma tonta ilusão, para aquele que
é levado nesta corrente, nela querer manter-se de pé.
Escritos morais sobre Jó, 34
«Recebestes de graça, dai de graça»
Vós podeis, também, se o quiserdes,
merecer este belo nome de mensageiros de Deus. Com efeito, se cada um de vós, segundo
as suas possibilidades, na medida em que tiver recebido a inspiração do céu,
desviar o seu próximo do mal, se tomar a seu cuidado trazê-lo para o bem, se
recordar ao transviado do Reino o castigo que o espera na eternidade, é
evidentemente um mensageiro das santas palavras de Jesus.
E que ninguém venha dizer: Eu sou
incapaz de instruir os outros, de os exortar. Façam ao menos o que vos é possível,
para que um dia não vos peçam contas do talento recebido e mal conservado.
Porque aquele que preferiu esconder o seu talento em vez de o fazer render não
tinha recebido mais do que um talento (Mt 25, 14s)...
Arrastai os outros convosco; que eles
sejam os vossos companheiros na estrada que leva a Deus. Quando, indo à praça ou aos banhos
públicos, encontrardes alguém desocupado, convidai-o a acompanhar-vos. Porque
as vossas ações quotidianas servem, elas próprias, para vos unir aos outros. Ides a Deus? Tentai
não chegardes lá sozinhos. Que
aquele que, no seu coração, já escutou o apelo do amor divino tenha para com o
seu próximo uma palavra de encorajamento.
Homilias sobre os evangelhos, 6
São Gregório Magno, nasceu em Roma em
540. Era filho de um senador romano, Gordiano, e de Santa Silvia. Os pais eram
muito ricos. Conta-se que duas de suas tias também foram santas, Santa Tarcila
e Santa Emiliana.
Dedicou-se desde muito jovem aos
estudos, alcançando uma grande erudição e, ao mesmo tempo, uma grande piedade e
virtude. Aos 30 anos ele foi nomeado Pretor de Roma, cargo que naqueles tempos
de convulsão pelas invasões bárbaras, era equivalente a governador da cidade.
Atraído pela vida religiosa dos monges
da Ordem de São Bento, Gregório resolveu entregar-se à vida religiosa. Quando
morreu seu pai, Gregório recebeu como herança a fortuna de sua família, e com
esses bens fundou e dotou seis mosteiros na Sicília e um sétimo em Roma,
dedicado a Santo André.
Ele distribuiu grande parte de seus
bens aos pobres.
Em 575, São Gregório entrou para o
mosteiro. Uma doença estomacal o impedia de jejuar como os demais monges. Por
isso, rogou a Deus que o curasse, para poder jejuar. Deus o atendeu, e, curado,
passou a jejuar como os demais.
Em 576 ele se tornou Abade de Santo
André, e dois anos depois, o Papa o enviou a Constantinopla como embaixador em
missão especial. Lá, S. Gregório viveu como monge, apesar de sua missão.
Foi no período em que estava em
Constantinopla que Gregório escreveu seus Comentários ao Livro de Jó, os
Moralia. Esse é um dos livros mais extraordinários escritos sobre um livro da
Sagrada Escritura. O próprio São Tomás de Aquino só fez do livro de Jó um
comentário "ad litteram", ou seja, palavra por palavra, porque
julgava que tudo o que podia ser dito desse livro do ponto de vista analógico,
moral e místico, já fora dito por São Gregório Magno.
Em 590, S. Gregório foi eleito papa em
votação unânime. Escreveu ao Imperador de Constantinopla que interviesse, não
confirmando sua eleição. O Imperador, que bem o conhecia, deixou de atendê-lo.
Ele então fugiu para não ser coroado Papa, mas uma luz milagrosa apontava seu
esconderijo.
Ele irá governar a Igreja como Papa
por 14 anos.
Foi São Gregório que enviou um grupo
de 40 monges de seu antigo mosteiro à Inglaterra, sob a liderança de Santo
Agostinho (o de Cantuária, que não deve ser confundido com Santo Agostinho de
Hipona).
São Gregório, como Papa, foi um
exemplo de humildade. Quando recebia louvores pelo que fazia, respondia com
palavras que indicavam como era grande sua humildade.
Escreveu uma obra - A Regra Pastoral,
ou simplesmente Pastoral - tratando dos deveres de um Bispo. O livro se tornou
um clássico, sendo requerido que todos os Bispos do mundo nele pautassem sua
conduta.
Em certo ponto desse livro, dizia São
Gregório:
"Os bispos são os olhos do povo.
Se os que governam o povo não têm luz, os que lhes estão submetidos só podem
cair em confusão e erro".
“O verdadeiro pastor das almas é puro
em seu pensamento. Sabe aproximar-se de todos, com verdadeira caridade.
Eleva-se acima de todos pela contemplação de Deus.”
Não perdia de vista a santificação de
sua alma. – “Eu estou pronto – assim se exprimia numa carta – para
ouvir todos aqueles, que me quiserem fazer a caridade de uma repreensão
salutar; considero como amigos só aqueles que possuírem a generosidade de
indicar-me os meios de purificar minha alma das manchas que tem”.
Teve sempre muita preocupação com os
pobres, numerosos em Roma naqueles tempos de decadência, mandando que se lhes
distribuísse comida diariamente.
Ele mesmo convidava todos os dias 12
peregrinos à sua mesa, e ele mesmo fazia questão de servi-los.
Conta-se que, um dia, o próprio Cristo
foi um dos peregrinos a quem ele atendeu.
Certa vez, um abade lhe pediu ajuda
monetária para seu convento. Mais tarde, porém, se arrependeu por julgar que
pedira muito ao Papa. Por isso, diminuiu duas vezes a quantia pedida. São
Gregório, constatando a virtude do abade, o atendeu dando tudo o que ele
inicialmente pedira e ainda mais, por generosidade pessoal.
Promoveu uma reforma de canto
litúrgico que lhe tomará o nome - Gregoriano - cujas notas, compassadas e
solenes, enchem as catedrais até nossos dias.
Ele foi declarado santo logo
que morreu por "aclamação popular" no ano de 604.
Em seus documentos oficiais, Gregório
foi o primeiro a fazer uso frequente do termo "Servo dos Servos de
Deus"(Servus Servorum Dei) como título papal, iniciando um costume
que seria seguido por todos os seus sucessores.
O diácono Pedro, que
possuía toda confiança de São Gregório, afirma ter visto muitas
vezes o divino Espírito Santo, em forma de uma pomba branca, descer sobre o
Santo Papa. É por este motivo que a arte cristã apresenta São Gregório Magno
com uma pomba branca, pairando-lhe a cabeça.
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