terça-feira, 9 de agosto de 2016

Beato Franz Jagerstatter



“A peculiaridade do nosso beato está contida no seu martírio (1943), inserido no contexto histórico particularmente trágico do período do III Reich, durante a segunda guerra mundial. O beato Franz era um homem do nosso tempo, um homem normal, com alguns defeitos e até por um certo período, com um estilo de vida bastante leviano e mundano. Contudo, seguindo a sua vocação e com a graça de Deus conseguiu colocar a vontade de Deus acima de tudo, chegando, após longas lutas internas a uma vida extraordinária de testemunho cristão. Pelas suas convicções de fé enfrentou a morte. O seu caminho é um desafio e um encorajamento para todos os cristãos que podem tomar o seu exemplo, para viver com coerência e empenho radical a própria fé, também até às extremas consequências se for necessário. 
Os beatos e os santos tem dado sempre o exemplo do que significa e representa ser cristão, também em particulares momentos concretos da história.
Num tempo como o nosso, no qual não faltam os condicionamentos e até a manipulação das consciências e das inteligências, às vezes através de formas sub-reptícias que se servem das modernas e mais avançadas tecnologias, o testemunho do beato Franz, da sua indômita coragem e da sua firme e forte coerência é um importantíssimo exemplo.
São comovedoras as palavras contidas na última carta enviada à sua esposa Franziska Schwaniger, em especial quando afirma: "Dou graças também ao nosso Salvador porque pude sofrer por Ele. Confio na sua infinita misericórdia; espero que Ele me perdoe tudo e não me abandone na minha última hora... Observai os mandamentos e, com a graça de Deus, ver-nos-emos em breve no Céu!"
São palavras que nos levam à essência, pois os santos sabem sempre ir ao essencial, que aqui é reconduzível àquele "serva mandata", "cumpre os mandamentos" (cf. Mt 19, 17) com o qual Jesus responde a quem quer saber o que deve fazer para ter a vida eterna.”
Cardeal José Saraiva Martins – Mensagem durante a beatificação – 26 de outubro de 2007

Franz J Jagerstatter nasceu a 20 de Maio de 1907 em St. Radegung, na Alta Áustria. Durante a sua adolescência e juventude distinguiu-se dos seus companheiros pela alegria, pela vivacidade e pelo particular aspecto exterior, que o tornava fascinante e atraente; não obstante na sua jovem idade houvesse um certo interesse pela vida superficial, o Servo de Deus permanecia fortemente ancorado nos princípios da fé, rezando todos os dias e aproximando-se dos sacramentos.
Em 1931, após uma permanência de três anos em Eisenerz, Franz foi obrigado a regressar a casa, pois seu pai tinha sido atingido pela tuberculose, e a partir daquele momento caberia a ele a gestão da quinta de família. 

Em 1933 nasceu Hildegard, filha que reconheceu e amou muito, fruto da sua relação clandestina com a Sr. Auer, doméstica da casa. Em 1936, casou com Franziska Schwaniger e dessa união nasceram três filhas. Os cônjuges distinguiam-se na paróquia que frequentavam por serem católicos praticantes e profundamente devotos, e estavam entre os poucos que recebiam quotidianamente a sagrada comunhão. 

Aos primeiros sinais da chegada do regime totalitário do Führer, o Servo de Deus fez oposição ao nascente partido nazista e às suas ideologias. Era tão grande a sua aversão por tudo o que fosse contrário aos ideais e princípios católicos que não só deixou de expor as próprias ideias mas também, com singular coragem, rejeitava fazer a saudação nazista. Pode ser definido como um "resistente" ao nazismo, um simples camponês que representou uma das pouquíssimas testemunhas que em terra alemã tenha ousado opor-se ao regime de Hitler. Jagerstatter foi a única pessoa em todo seu povoado que repudiou e votou contra a anexação da Áustria pela Alemanha nazista em 1938. Estava consternado ao ver que muitos católicos apoiavam os nazistas. Inclusive um cardeal exigiu que todas as paróquias erguessem a bandeira nazista em suas igrejas no dia do aniversário de Hitler.
“Dificilmente poderia existir uma hora mais triste para a fé cristã em nosso país”, escreveu o pai de família.

Ele sentiu naquele momento que não podia chamar a si mesmo de discípulo de Cristo se aceitasse os mandatos de um regime ao qual considerava “satânico”.
A princípio, parecia que ser agricultor lhe impediria de lutar pelo exército da Alemanha, pois requeriam a produção de grandes quantidades de alimentos. Infelizmente, em 1943, a necessidade de mais soldados aumentou e Jagerstatter foi chamado ao serviço ativo.
Dirigiu-se ao centro de indução e anunciou que não lutaria, por isso, foi enviado à prisão militar de Linz. “Estou convencido de que a melhor decisão é dizer a verdade, embora corra perigo de vida”, escreveu.

Amigos, familiares e até mesmo o Bispo local visitaram Jagerstatter na prisão, tentando convencê-lo a se alistar, mas ninguém lhe deu um argumento convincente para que desistisse de suas convicções morais e religiosas ao fazer uso da objeção de consciência.
Em vez disso, todos tentaram convencê-lo de que Deus não o tornaria responsável por fazer o que o obrigavam. Mas não o convenceram.

“Desde a morte de Cristo, cada século foi testemunha da perseguição dos cristãos; sempre houve heróis e mártires que entregaram sua vida – normalmente de maneiras horríveis – por Cristo e sua fé. Se esperamos chegar à nossa meta algum dia, então nós também devemos chegar a ser heróis dá fé”, escreveu Franz Jagerstatter.

A escolha e a vida de Franz estão relacionadas com uma radicalidade evangélica que não admite réplica, ao contrário, provoca e questiona. O seu pároco, Josef Karobath, após o debate decisivo em 1943, realizado poucos dias antes da chamada ao alistamento, comentou: "Ele deixou-me sem palavras, porque tinha as melhores argumentações. Queríamos fazê-lo desistir mas derrotou-nos sempre ao citar as Escrituras". 

Havia em Franz uma serenidade, meditada e sofrida, devido a adesão ao pleno significado da mensagem evangélica: nele a coerência tornou-se um fator distintivo, não por preconceitos ideológicos ou por um pacifismo abstrato, mas porque se deixou conduzir pela adesão concreta e vivida aos valores, aos significados, às exigências daquilo em que acreditava.
Franz Jägerstätter foi processado pelo tribunal marcial de Berlim e condenado à morte a 6 de Julho de 1943 porque reconhecido culpado do delito de reticência ao recrutamento militar. Foi esta a motivação oficial, que porém subentende outra, a verdadeira: era culpado por não ter renunciado â sua profissão de fé. Foi guilhotinado em Brandeburgo a 9 de Agosto de 1943. Suas últimas palavras registradas antes de morrer na guilhotina foram: “Estou completamente unido em união interior com o Senhor”.

Durante o Concílio Vaticano II, o testemunho de Jagerstatter ajudou a dar forma à seção do documento Gaudium et spes que menciona as objeções de consciência à guerra.

Foi beatificado no dia 26 de outubro de 2007 e a sua esposa Franziska, de 94 anos, suas filhas, netos e bisnetos participaram da cerimônia.

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