Os numerosíssimos
mártires que, na diocese de Angers, durante a Revolução francesa,
aceitaram a morte porque queriam, "conservar
a sua fé e a sua religião", firmemente apegados à Igreja católica e
romana: sacerdotes, eles recusavam prestar um juramento considerado cismático,
não queriam abandonar o seu encargo pastoral; leigos, eles permaneciam fiéis a
estes sacerdotes, a missa celebrada por eles, aos sinais do seu culto a Maria e
aos santos.
Sem dúvida, num
contexto de grandes tensões ideológicas, políticas e militares, pôde-se fazer
pesar sobre eles suspeitas de infidelidade à pátria, tento sido, à espera das
sentenças, acusados de compromissos com "as forças contrarrevolucionárias";
é, aliás, o que ocorre em quase todas as perseguições, de ontem e de hoje. Mas
para os homens e as mulheres cujos nomes foram marcados — entre muitos outros
sem dúvida de igual modo merecedores —, o que eles verdadeiramente viveram, o
que responderam aos interrogatórios dos tribunais, não deixa dúvida alguma
sobre a determinação de permanecerem fiéis — com o perigo da própria vida — ao
que a fé exigia deles, nem sobre o motivo profundo da sua condenação, o ódio a
esta fé que os seus juízes desprezavam como "devoção insustentável" e
"fanatismo".
Ficamos admirados
diante das respostas decisivas, calmas, breves, sinceras, humildes, que nada
têm de provocatório, mas são nítidas e firmes a respeito do essencial: a
fidelidade à Igreja. Assim falam os sacerdotes, todos guilhotinados, as
religiosas que não consentem mesmo deixar crer que tenham prestado juramento,
os quatro homens leigos: é suficiente citar o testemunho de um deles (Antoine
Fournier): "Sofreríeis, portanto, a morte em defesa da vossa religião? —
Sim". De igual modo falam as oitenta mulheres, que não podem ser
acusadas de rebelião armada! Alguns tinham já manifestado o desejo de antes
morrer pelo nome de Jesus do que renunciar à religião.
Verdadeiros
cristãos, eles dão testemunho também pela sua recusa de odiar os seus algozes,
pelo seu perdão, pelo seu desejo de paz para todos: "Não pedi ao Bom Deus senão
pela paz e a união do mundo inteiro" (Marie Cassin). Enfim, os
derradeiros momentos deles manifestam a profundidade da própria fé. Alguns
cantam hinos e salmos até ao lugar do suplício; "pedem alguns minutos para fazer a Deus o sacrifício da própria
vida, o que por eles era feito com tanto fervor que os seus próprios algozes se
admiravam disto", Irmã Maria Anna, Filha da Caridade, assim reconforta
a sua Coirmã: "Vamos ter a felicidade de ver a Deus, e de O possuir por toda a
eternidade, e seremos possuídas por Ele sem temor de estarmos separadas d'Ele.”
Papa
João Paulo II – Homilia de beatificação – 19 de fevereiro de 1984
A partir de setembro de 1791, as Irmãs do
hospital de Angers constatam o crescimento da perseguição religiosa. A exemplo
do bispo muitos padres se recusam a prestar o juramento. Expulsos de suas
paróquias, eles são, rapidamente, perseguidos e presos. Um ano mais tarde
(setembro de 1792), 400 deles, acorrentados, atravessam a cidade de Angers;
partem para a penitenciária! Em 1793, os membros do Conselho municipal se
dirigem ao hospital para exigir das Irmãs o juramento de Liberdade-Igualdade.
Muito eloquentes insistem sobre o serviço dos doentes. É dado a cada uma um
tempo para refletir. A comunidade se esforça para permanecer unida. Os
revolucionários logo percebem que três Irmãs têm influência sobre as outras:
Irmã
Antonia Taillade, de Cahors, é a superiora da
comunidade. Ela tem 54 anos de idade e 34 de Filha da Caridade. As Irmãs
apreciam sua prudente sabedoria, sua grande piedade e a força de seu caráter.
Irmã Maria
Anna Vaillot, de Fontainebleau, tem 59 anos de
idade e está na comunidade há 32 anos. Realiza com competência e precisão, o
trabalho do economato.
Irmã Odila
Baumgarten, nasceu em 1750, em Gondrexange, na
Lorena. Entra para as Filhas da Caridade em 1775 e é a responsável pelos
remédios da farmácia do hospital.
A prisão destas três Irmãs é prevista e
acontece no domingo, 19 de janeiro. Irmã Antonia Taillade, separada de suas
duas companheiras, é encarcerada nos Penitentes, Irmã Maria Anna e Irmã Odila
são levadas ao mosteiro do Calvário. Elas ficam impressionadas com o estado de
sujeira e de miséria no qual os prisioneiros são deixados. Esperando pelo
julgamento, as Irmãs escutam o sofrimento destas mães de família, presas com
seus filhos, esforçando-se para consolá-las e, sobretudo, encorajá-las. A morte
ronda todas elas.
Em 28 de janeiro, as duas Irmãs são
convocadas ao tribunal revolucionário. Diante da violência dos seus juízes,
Irmã Maria Anna responde somente “Façam de mim o que quiserem”. Considerada fanática e rebelde, a
sentença é dada: fuzilamento. Irmã Odila, após ter ouvido a leitura do
interrogatório de sua Irmã, acrescenta: “Minha consciência não
me permite fazer o juramento”. A sentença é a mesma:
fuzilamento.
Como as outras detidas, as Irmãs são levadas
de volta para sua cela. Na manhã de 1º de fevereiro, um comissário vai à
prisão, convoca os condenados, entre eles as duas Irmãs. Num frio úmido,
um longo cortejo de 200 mulheres, presas duas a duas por uma corda central,
caminha com dificuldade para o “Campo
dos Mártires”.
Ao longo dos três quilômetros de caminhada,
as Irmãs pedem a Maria que as acompanhe. De repente, Irmã Odila deixa cair seu
terço que mantinha escondido no vestido. Um guarda a vê inclinar-se, com uma
mão apoiada sobre uma pedra, para pegá-lo. Imediatamente, ele a golpeia com a
arma. Irmã Odila cambaleia. Irmã Maria Anna a apoia e teme que ela seja lançada
no carro que transporta os agonizantes. O terço será recolhido por uma mulher
que, mais tarde, o entregará às Irmãs do hospital.
Ao chegarem ao Campo dos Mártires, as vítimas
descobriram a presença das Irmãs e, emocionadas, pediram sua bênção. Para surpresa
das Irmãs, o comandante do batalhão de execução se aproxima e propõe poupá-las
dizendo que elas prestaram o juramento. Corajosamente, Irmã Maria Anna
responde: “Cidadão, nós
não somente não queremos fazer o juramento, nem tampouco dar a impressão de
tê-lo feito”.
Um canto se eleva: “Eu coloco minha
confiança, Virgem Maria, em vosso socorro”.
Os fuzis são erguidos, os corpos desabam. Uma
fossa os recolhe. Um grande silêncio e a paz de Deus descem sobre este campo de
glória.
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