“Este pobre clama e o Senhor o escuta!”
Façamos
também nossas estas palavras do Salmista, quando nos vemos confrontados com as
mais variadas condições de sofrimento e marginalização em que vivem tantos
irmãos e irmãs, que nos habituamos a designar com o termo genérico de pobres.
Hoje, este Salmo permite-nos também a nós, rodeados por tantas formas de
pobreza, compreender quem são os verdadeiros pobres para os quais somos
chamados a dirigir o olhar a fim de escutar o seu clamor e reconhecer as suas necessidades.
O
primeiro elemento que sobressai nesta oração é o sentimento de abandono e
confiança num Pai que escuta e acolhe. Sintonizados com estas palavras, podemos
compreender mais profundamente aquilo que Jesus proclamou com a bem-aventurança
“felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu”.
O Salmo
caracteriza a atitude do pobre e a sua relação com Deus, por meio de três
verbos.
O
primeiro: “clamar”. A condição de pobreza não se esgota numa palavra,
mas torna-se um brado que atravessa os céus e chega a Deus. Que exprime o brado
dos pobres senão o seu sofrimento e solidão, a sua desilusão e esperança?
Podemos interrogar-nos: como é possível que este brado, que sobe à presença de
Deus, não consiga chegar aos nossos ouvidos e nos deixe indiferentes e
impassíveis? Num Dia como este, somos chamados a fazer um
sério exame de consciência para compreender se somos verdadeiramente capazes de
escutar os pobres.
Um
segundo verbo é “responder”. O Salmista diz que o Senhor não só escuta o
clamor do pobre, mas também responde. A sua resposta – como atesta toda a
história da salvação – é uma intervenção cheia de amor na condição do pobre. A
resposta de Deus ao pobre é sempre uma intervenção salvadora para cuidar das
feridas da alma e do corpo, repor a justiça e ajudar a retomar a vida com
dignidade. A resposta de Deus é também um apelo para que toda a pessoa que
acredita n’Ele possa, dentro dos limites humanos, fazer o mesmo.
O Dia
Mundial dos Pobres pretende ser uma pequena resposta, dirigida pela
Igreja inteira dispersa por todo o mundo, aos pobres de todo o gênero e de todo
o lugar a fim de não pensarem que o seu clamor caíra em saco roto.
Provavelmente, é como uma gota de água no deserto da pobreza; e contudo pode
ser um sinal de solidariedade para quantos passam necessidade a fim de sentirem
a presença ativa dum irmão ou duma irmã. Não é de um ato de delegação que os
pobres precisam, mas do envolvimento pessoal de quantos escutam o seu brado. A
solicitude dos crentes não pode limitar-se a uma forma de assistência – embora
necessária e providencial num primeiro momento –, mas requer aquela “atenção
amiga” que aprecia o outro como pessoa e procura o seu bem.
O terceiro
verbo é libertar. O pobre da Bíblia vive com a certeza de que Deus
intervém em seu favor para lhe devolver dignidade. A pobreza não é procurada,
mas criada pelo egoísmo, a soberba, a avidez e a injustiça: males tão antigos
como o homem, mas sempre pecados são, acabando enredados neles tantos inocentes
com dramáticas consequências sociais. A ação libertadora do Senhor é um ato de
salvação em prol de quantos Lhe manifestaram a sua aflição e angústia. As
amarras da pobreza são quebradas pelo poder da intervenção de Deus.
A
salvação de Deus toma a forma duma mão estendida ao pobre, que oferece
acolhimento, protege e permite sentir a amizade de que necessita. É a partir
desta proximidade concreta e palpável que tem início um genuíno percurso de
libertação: “Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de
Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam
integrar-se plenamente na sociedade; isto supõe estar docilmente atentos, para
ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo”.
Os primeiros
habilitados a reconhecer a presença de Deus e a dar testemunho da sua
proximidade à própria vida são os pobres. Deus permanece fiel à sua promessa e,
mesmo na escuridão da noite, não deixa faltar o calor do seu amor e da sua
consolação. Contudo, para superar a opressiva condição de pobreza, é necessário
aperceber-se da presença de irmãos e irmãs que se ocupem deles e que, abrindo a
porta do coração e da vida, lhes façam sentir benvindos como amigos e
familiares. Somente deste modo podemos descobrir “a força salvífica das suas
vidas” e “colocá-los no centro do caminho da Igreja”.
Neste Dia
Mundial, somos convidados a tornar concretas as palavras do Salmo: “Os
pobres comerão e serão saciados”. Sabemos que no templo de Jerusalém, depois do
rito do sacrifício, tinha lugar o banquete. Esta foi uma experiência que, no
ano passado, enriqueceu a celebração do primeiro Dia Mundial dos Pobres,
em muitas dioceses. Muitos encontraram o calor duma casa, a alegria duma
refeição festiva e a solidariedade de quantos quiseram compartilhar a mesa de
forma simples e fraterna. Gostaria que, também neste ano e para o futuro,
este Dia fosse celebrado sob o signo da alegria pela
reencontrada capacidade de estar juntos. Rezar juntos em comunidade e
compartilhar a refeição no dia de domingo é uma experiência que nos leva de
volta à primitiva comunidade cristã, que o evangelista Lucas descreve em toda a
sua originalidade e simplicidade: “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à
união fraterna, à fração do pão e às orações. (…) Todos os crentes viviam
unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o
dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um”.
Inúmeras são as iniciativas que a comunidade cristã empreende para dar um sinal
de proximidade e alívio às muitas formas de pobreza que estão diante dos nossos
olhos. Muitas vezes, a colaboração com outras realidades, que se movem
impelidas não pela fé mas pela solidariedade humana, consegue prestar uma ajuda
que, sozinhos, não poderíamos realizar. O facto de reconhecer que, no mundo
imenso da pobreza, a nossa própria intervenção é limitada, frágil e
insuficiente leva a estender as mãos aos outros, para que a mútua colaboração
possa alcançar o objetivo de maneira mais eficaz. Somos movidos pela fé e pelo
imperativo da caridade, mas sabemos reconhecer outras formas de ajuda e
solidariedade que se propõem, em parte, os mesmos objetivos; desde que não transcuremos
aquilo que nos é próprio, ou seja, conduzir todos a Deus e à santidade. Uma
resposta adequada e plenamente evangélica, que podemos realizar, é o diálogo
entre as diversas experiências e a humildade de prestar a nossa colaboração,
sem qualquer espécie de protagonismo.
À vista
dos pobres, não se perca tempo a lutar pela primazia da intervenção, mas
reconheçamos humildemente que é o Espírito quem suscita gestos que sejam sinal
da resposta e da proximidade de Deus. Quando encontramos o modo para nos aproximar
dos pobres, saibamos que a primazia compete a Ele que abriu os nossos olhos e o
nosso coração à conversão. Não é de protagonismo que os pobres têm necessidade,
mas de amor que sabe esconder-se e esquecer o bem realizado. Os verdadeiros
protagonistas são o Senhor e os pobres. Quem se coloca ao serviço é instrumento
nas mãos de Deus, para fazer reconhecer a sua presença e a sua salvação.
Uma
palavra de esperança torna-se o epílogo natural para onde nos encaminha a fé.
Muitas vezes, são precisamente os pobres que põem em crise a nossa indiferença,
filha duma visão da vida, demasiado imanente e ligada ao presente. O clamor do
pobre é também um brado de esperança com que manifesta a certeza de ser
libertado; esperança fundada no amor de Deus, que não abandona quem a Ele se
entrega.
Santa
Teresa de Ávila deixara escrito no seu Caminho de Perfeição: “A
pobreza é um bem que encerra em si todos os bens do mundo; assegura-nos um
grande domínio; quero dizer que nos torna senhores de todos os bens terrenos,
uma vez que nos leva a desprezá-los”.
Na medida
em que somos capazes de discernir o verdadeiro bem é que nos tornamos ricos
diante de Deus e sábios diante de nós mesmos e dos outros. É mesmo assim: na
medida em que se consegue dar à riqueza o seu justo e verdadeiro significado,
cresce-se em humanidade e torna-se capaz de partilha.
Convido
os irmãos bispos, os sacerdotes e de modo particular os diáconos, a quem foram
impostas as mãos para o serviço dos pobres, juntamente com as pessoas
consagradas e tantos leigos e leigas que, nas paróquias, associações e
movimentos, tornam palpável a resposta da Igreja ao clamor dos pobres, a viver
este Dia Mundial como um momento privilegiado de nova
evangelização.
Os pobres
evangelizam-nos, ajudando-nos a descobrir cada dia a beleza do Evangelho. Não
deixemos cair em saco roto esta oportunidade de graça. Neste dia, sintamo-nos
todos devedores para com eles, a fim de que, estendendo reciprocamente as mãos
uns para os outros, se realize o encontro salvífico que sustenta a fé, torna concreta
a caridade e habilita a esperança a prosseguir segura no caminho rumo ao Senhor
que vem.
Papa
Francisco
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