Nascido em Verdú, pequena
cidade espanhola da Catalunha, em 1580, Pedro Claver sentiu- se chamado para a
vida religiosa desde tenra infância. Aos 22 anos de idade, bateu às portas do
noviciado da Companhia de Jesus.
Dois anos mais tarde, a fim
de completar os estudos de Filosofia, foi enviado por seus superiores ao
Colégio de Montesion, na ilha de Maiorca. Deuse, então, um providencial
encontro que marcaria de modo indelével a vida de Pedro e firmaria
definitivamente sua vocação.
Nesse colégio habitava um
venerável ancião, simples irmão coadjutor e porteiro da casa, que séculos
depois seria canonizado e viria a ser uma das glórias da Ordem: Santo Afonso
Rodríguez.
"O que devo fazer
para amar verdadeiramente a Nosso Senhor Jesus Cristo?" - perguntava o estudante. E Santo Afonso não se
contentava em dar um simples conselho, mas descortinava os ilimitados
horizontes da generosidade e do holocausto: "Quantos que vivem ociosos
na Europa, poderiam ser apóstolos na América! Não poderá o amor de Deus sulcar
esses mares que a cobiça humana soube cruzar? Não valem também aquelas almas a
vida de um Deus? Por que tu não recolhes o Sangue de Jesus Cristo?"
As ardentes palavras do
velho porteiro acenderam labaredas de zelo que acabariam por consumir o coração
de Pedro Claver.
Nessa época, o irmão Afonso
foi favorecido por Deus com uma mística visão: sentiu-se arrebatado até o Céu
onde contemplou incontáveis tronos ocupados pelos bem-aventurados e, no meio
deles, um trono vazio. Escutou uma voz que lhe dizia: "É este o lugar
preparado para teu discípulo Pedro, como prêmio de suas muitas virtudes e pelas
inúmeras almas que converterá nas Índias, com seus trabalhos e
sofrimentos".
No dia 23 de janeiro de
1610, o superior provincial, atendendo a seus pedidos, enviou-o como missionário
para a América do Sul. E no final desse mesmo ano, após longa travessia,
aportou na cidade de Cartagena, uma das mais importantes do Império Espanhol do
além-mar.
Terminada sua formação
teológica na casa de formação dos jesuítas na província da Nova Granada,
recebeu finalmente o Sacramento da Ordem no dia 19 de março de 1616 e celebrou
sua primeira Missa diante da imagem da Virgem dos Milagres a quem professaria
sempre uma ardorosa e filial devoção.
A cidade de Cartagena
constituía, nessa época, um dos pontos principais de comércio entre a Europa e
o novo continente, e juntamente com Veracruz, no México, eram os dois únicos
portos autorizados para a introdução de escravos africanos na América
Espanhola. Calcula-se que cerca de dez mil escravos chegavam anualmente a esta
cidade, trazidos por mercadores, geralmente portugueses e ingleses, que se
dedicavam a este vil e cruel comércio.
Esses pobres seres,
arrancados das costas da África, eram trazidos no fundo dos porões dos navios
para serem vendidos como simples objetos e finalmente destinados ao trabalho
nas minas e nas fazendas onde, depois de haver vivido sem esperança, morriam
miseravelmente sem o auxílio da religião.
Levando em sua mão direita
um bastão encimado por uma cruz e um belo crucifixo de bronze pendurado no
pescoço, saía Pedro Claver todos os dias para catequizar os
escravos. Calores extenuantes, chuvas torrenciais, críticas e
incompreensões até dos próprios irmãos de vocação, nada arrefecia sua caridade.
Com freqüência batia nos
pórticos senhoriais da cidade pedindo doces, presentes, roupas, dinheiro e
almas decididas que o auxiliassem em seu duro apostolado. E não poucas vezes
nobres capitães, cavaleiros e senhoras ricas e piedosas o seguiam até as
míseras moradias dos escravos.
Entrando nesses lugares, seu
primeiro cuidado dirigia-se sempre aos doentes. Lavava-lhes o rosto, curava
suas feridas e chagas e repartia comida aos mais necessitados. Apaziguadas as
penalidades do corpo, reunia então a todos em torno de um improvisado altar, os
homens de um lado e as mulheres de outro, e iniciava a catequese que ele
sabia colocar maravilhosamente ao alcance da curta inteligência dos escravos.
Pendurava à vista de todos uma tela pintada com a figura de Nosso Senhor
crucificado, com uma grande fonte de sangue correndo de seu lado ferido; aos
pés da Cruz, um sacerdote batizava com o Sangue Divino vários negros.
Dizia-lhes, então, que
deveriam esquecer todas as superstições e ritos que praticavam nas tribos e
lugares de origem, e lhes repetia isso muitas vezes.
Depois lhes ensinava a fazer
o sinal-da-cruz e lhes explicava paulatinamente os principais mistérios da
nossa Fé: Unidade e Trindade de Deus, Encarnação do Verbo, Paixão de Jesus,
mediação de Maria, Céu e inferno.
Pedro Claver compreendia bem
que eles não podiam assimilar idéias abstratas sem a
ajuda de muitas imagens e figuras. Por isso lhes mostrava estampas nas quais
estavam pintadas cenas da vida de Nosso Senhor e de Nossa Senhora,
representações do Paraíso e do inferno.
Após inúmeras jornadas de
árdua evangelização, batizava-os finalmente. Para celebrar este Sacramento utilizava
uma jarra e uma bacia de fina porcelana chinesa, e queria que os escravos
estivessem limpos. Introduzia seu crucifixo de bronze na água, abençoava-a e
dizia que agora aquele líquido era santo, e que após serem lavadas nessa água
suas almas se tornariam mais refulgentes que o sol.
"Todo o tempo livre
de confessar, catequizar e instruir os negros, dedicava- o à oração", narra uma testemunha.
Repousava diariamente apenas
três horas, e passava o resto da noite de joelhos em sua cela ou diante do
Santíssimo Sacramento, em profunda oração, muitas vezes acompanhada de místicos
arroubos. Grande adorador de Jesus na Eucaristia preparava-se todos os
dias durante uma hora antes de celebrar o Sacrifício do Altar, e permanecia em
ação de graças meia hora após a Missa, não permitindo que ninguém o
interrompesse nesses períodos.
Ilimitada também era sua
devoção a Nossa Senhora. Rezava o Rosário completo todos os dias, ajoelhado ou
andando pelas ruas da cidade, e não deixava passar nenhuma festa d'Ela sem organizar
solenes celebrações, com música instrumental e coral.
Após 35 anos de intenso
trabalho apostólico e 70 de idade, caiu gravemente enfermo. Pouco a pouco
foram-se paralisando as extremidades de seus membros, e um forte tremor agitava
continuamente seu corpo extenuado. Tornou-se "uma espécie de estátua da
penitência com as honras de pessoa", relata uma testemunha.
Os últimos quatros anos de
sua vida, ele os passou imobilizado na enfermaria do convento. E, por incrível
que pareça, este homem que havia sido a alma da cidade, o pai dos pobres e o
consolador de todas as desventuras, foi completamente largado por todos e
submergido no esquecimento e no abandono.
Passava os dias, os meses e
os anos em silenciosa meditação, contemplando da janela da enfermaria a
imensidade do mar e escutando a melodia das ondas que se rompiam
contra as muralhas da cidade. A sós com a dor e com Deus, aguardava o momento
do supremo encontro.
Um jovem escravo fora
designado pelo superior da casa para cuidar do doente. Entretanto, esse que
deveria ser enfermeiro não passava de bruto algoz. Comia a melhor parte dos
alimentos destinados ao paralítico e "um dia o deixava sem bebida, outro
sem pão, muitos sem comida", segundo conta uma testemunha da época. Também
"o martirizava quando o vestia, governando-o com brutalidade, torcendo-lhe
os braços, batendo nele e tratando-o com tanta crueldade como desprezo".
Porém, nunca seus lábios proferiram a menor queixa. "Mais merecem minhas
culpas", exclamava às vezes.
Certo dia de agosto de 1654,
disse Claver a um irmão de hábito: "Isto se acaba. Deverei morrer num
dia dedicado à Virgem". Na manhã de 6 de setembro, à custa de um
imenso esforço, fez- se conduzir até a igreja do convento e quis comungar pela
última vez. Quase se arrastando, aproximou-se da imagem de Nossa Senhora dos
Milagres, diante da qual havia celebrado a sua primeira Missa. Ao passar pela
sacristia, disse a um irmão: "Morro. Vou morrer. Posso fazer algo por
vossa reverência na outra vida?" No dia seguinte, perdeu a fala e recebeu
a Unção dos Enfermos.
Sucedeu, então, algo de
extraordinário e sobrenatural. A cidade de Cartagena pareceu acordar de uma
longa letargia e por todos os lados corria a voz: "Morreu o
santo!" E uma multidão dirigiu-se para o colégio dos jesuítas, onde
agonizava Pedro Claver.
Todos queriam beijar suas
mãos e seus pés, tocar nele rosários e medalhas. Distintas senhoras e pobres
negras, nobres, capitães, meninos e escravos desfilaram nesse dia diante do
santo, que jazia sem sentidos em seu leito de dor. Só às 9 horas da noite os
padres conseguiram fechar as portas e assim conter aquela piedosa avalanche.
E assim, entre 1h e 2h da
madrugada de 8 de setembro, festa da Natividade de Maria, com grande suavidade
e paz, o escravo dos escravos adormeceu no Senhor.
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