“É com
grande alegria que fiz a peregrinação até esta Basílica de Nossa Senhora de
Guadalupe, coração mariano do México e da América, para proclamar a santidade
de Juan Diego Cuauhtlatoatzin, o índio simples e humilde que contemplou o rosto
dócil e sereno da Virgem de Tepeyac, tão querido a todas as populações do
México.
Como era
Juan Diego? Por que motivo Deus
fixou o seu olhar nele? Como acabamos de escutar, o livro do Eclesiástico
ensina-nos que somente "Deus é todo-poderoso e apenas os
humildes o glorificam". Inclusivamente as palavras de São Paulo,
também proclamadas durante esta celebração, iluminam esta maneira divina de
realizar a salvação: "Deus escolheu aquilo que o mundo
despreza [e que é insignificante]. Deste modo, nenhuma criatura se pode
orgulhar na presença de Deus".
É
comovedor ler as narrações guadalupanas, escritas com delicadeza e repletas de
ternura. Nelas, a Virgem Maria, a escrava "que proclama a grandeza
do Senhor" (Lc 1, 46), manifesta-se a Juan Diego como
a Mãe do Deus verdadeiro. Ela entrega-lhe, como sinal, um ramalhete de rosas
preciosas e ele, mostrando-as ao Bispo, descobre gravada no seu manto ("tilma")
a imagem abençoada de Nossa Senhora.
"O
acontecimento guadalupano como afirmaram os membros da Conferência Episcopal
Mexicana significou o começo da evangelização, com uma vitalidade que
ultrapassou qualquer expectativa. A mensagem de Cristo através da sua Mãe
assumiu os elementos centrais da cultura indígena, purificou-os e atribuiu-lhes
o definitivo sentido de salvação". Desta maneira, Guadalupe e Juan Diego
possuem um profundo sentido eclesial e missionário, e constituem um paradigma
de evangelização perfeitamente inculturada.
Com o salmista,
acabamos de recitar: "Do céu, o Senhor contempla e vê todos os
homens”, professando uma vez mais a nossa fé em Deus, que não considera as
diferenças de raça ou de cultura. Ao acolher a mensagem cristã, sem renunciar à
sua identidade indígena, Juan Diego descobriu a profunda verdade da nova
humanidade, em que todos são chamados a ser filhos de Deus em Cristo.
Desta
forma, facilitou o encontro fecundo de dois mundos e transformou-se num
protagonista da nova identidade mexicana, intimamente vinculada a Nossa Senhora
de Guadalupe, cujo rosto mestiço dá expressão da sua maternidade espiritual que
abarca todos os mexicanos.
Por isso,
o testemunho da sua vida deve continuar a dar impulso à edificação da Nação
mexicana, a promover a fraternidade entre todos os seus filhos e a favorecer
cada vez mais a reconciliação do México com as suas origens, os seus valores e
as suas tradições.
Amados
Irmãos e Irmãs de todas as etnias do México e da América, ao exaltar neste dia
a figura do índio Juan Diego, desejo expressar-vos a proximidade da Igreja e do
Papa em relação a todos vós, enquanto vos abraço com amor e vos animo a
ultrapassar com esperança as difíceis situações por que estais a passar”.
Papa João Paulo II -
Homilia de Canonização de Juan Diego
- 31/07/2002
São Juan Diego
Cuauhtlatoatzin (que significa: o que fala como águia) nasceu em torno de 1474,
em Cuauhtitlán, que pertencia ao reino de Textcoco, no México.
Existem documentos
eclesiásticos, datados do século XVI, que fazem parte de importante processo
canônico, onde já se pedia aprovação para celebração da festa de Nossa Senhora
do Guadalupe nos dias 12 de dezembro. Posteriormente aprovado e já constituído
o Processo Apostólico, constam nestes documentos importantes testemunhos de
anciãos (alguns com mais de cem anos de idade), que testificaram e confirmaram
a vida exemplar, personalidade e fama da santidade de Juan Diego:
"Era um índio que
vivia honesta e recolhidamente e que era muito bom cristão, temente a Deus e,
sua consciência, arraigada de muitos bons costumes e modos de proceder";
outro testemunho é o de
Andrés Juan, que dizia que Juan Diego era um
"varão santo".
Diversos outros testemunhos contidos naquelas informações jurídicas atestam
que, efetivamente, Juan Diego era para o povo "um índio bom e
cristão", ou um "varão santo" e somente estes títulos bastariam
para entender a fortaleza de sua fama; pois os índios eram muito exigentes para
atribuir algum membro da tribo pelo apelativo de "bom índio" e muito
menos ainda considerar sua bondade tão expressiva que pudesse a chegar ao
extremo da santidade.
Graças às fontes históricas
pudemos conhecer as circunstâncias da vida de São Juan Diego, sua família, suas
casas, suas terras; foi em dezembro de 1531 que Nossa Senhora do
Guadalupe manifestou-se extraordinariamente a Juan Diego. Na época era um homem
já maduro, porém, batizado há muito pouco tempo pelos primeiros missionários
franciscanos, e pertencia a etnia indígena dos "chichimecas de
Texcoco".
A evangelização pós
conquista iniciava-se lentamente na região, de forma que Juan Diego há poucos
anos se havia convertido e batizado na fé católica. Havia sido casado com uma
índia chamada Maria Luzia e nesse tempo viviam no povoado de Tulpetlac, com seu
tio Juan Bernardino.
No dia 09 de dezembro de
1531 (sábado), muito cedo, Juan Diego se dirigiu à Missa sabatina da Virgem
Maria e ao catecismo, atendidas pelos franciscanos do primeiro convento que
havia sido erigido na Cidade do México.
Quando o humilde índio
chegou ao sopé do monte chamado Tepeyac, repentinamente escutou cantos
harmoniosos e doces que vinham do alto do cerro, e que mais pareciam cantos de
aves distintas, que respondiam umas às outras, formando um concerto de
extraordinária beleza. Observou uma nuvem branca e resplandecente e que se
alcançava a distinguir um maravilhoso arco-íris de diversas cores. Absorto por
tamanha beleza, fez para si diversas indagações, imaginando inclusive estar
sonhando, de estar presenciando o paraíso. Estando neste arrebatamento,
repentinamente tudo cessou, ouvindo apenas a voz de uma mulher doce e delicada,
que chamava por seu nome:
"Juanito, Juan Dieguito!".
Sem vacilar, o santo índio
sobe o cerro e depara-se com uma formosíssima donzela; aproximando-se, deu
conta, com grande assombro da formosura de seu rosto, de sua perfeita beleza,
de seu vestido, reluzente como o sol. Nossa Senhora dialoga com Juan Diego e lhe
manifesta o pedido de que fosse construída uma capela naquele local. Disse que
fosse até ao palácio do Bispo do México (Juan de Zumárraga) e lhe narrasse tudo
o que vira e o seu pedido, de ver ali erigido um templo.
E fez ainda uma promessa a
Juan Diego: “Tem por seguro que muito o agradecerei e o pagarei, pelo
que enriquecerei e te glorificarei; e muito mais merecerás com que eu retribua
teu cansaço, teu serviço com que vás solicitar o assunto para o qual te
envio"
Dirigiu-se, assim, Juan
Diego à Cidade do México, onde narrou tudo o que lhe ocorrera, mas ao que o Sr.
bispo acabou não dando-lhe crédito, julgando ser imaginação do índio recém
convertido, ainda que tenha sido submetido a interrogatório. Juan Diego saiu
dali muito desconsolado, ora pelo descrédito, ora por não poder atender à
vontade de Maria Santíssima.
Retornou ao local da
aparição e, pela segunda vez, Nossa Senhora mandou que Juan Diego fosse ter com
o bispo novamente e que lhe reafirmasse o pedido. Juan Diego despediu-se de
Nossa Senhora, assegurando que no dia seguinte realizaria sua vontade, indo
para casa descansar.
No dia seguintes (10 de
dezembro), Juan Diego foi à Missa, assistiu à catequese e dali foi para a casa
do bispo, onde os ajudantes o fizeram esperar por longo tempo, fato que já
havia ocorrido na primeira visita. Ao entrar, Juan Diego aos prantos e entre
lágrimas novamente comunicou a vontade de Nossa Senhora, certificando que
tratava-se da vontade da Mãe de Deus que fosse construído o referido templo.
Desta vez o Bispo escutou
com grande interesse a narrativa do índio, porém, começou a compreender que não
podia ser que fosse apenas um sonho ou uma fantasia dele, pois contava com
muita convicção o que presenciara, detalhando as mensagens de Nossa Senhora.
O bispo, para
certificar-se de tudo o que escutara de Juan Diego, pediu que lhe fosse dado um
sinal. Juan Diego saiu dali e disse que falaria com Nossa Senhora e, pôs-se a
caminho. Em seguida, o bispo mandou pessoas de sua inteira confiança para
seguir e vigiar Juan Diego sem o perder de vista, a fim de saberem para onde se
dirigia e com quem falava. Entretanto, após Juan Diego atravessar uma ponte,
onde passava um rio, perderam-no de vista e, apesar dos esforços, não
conseguiram mais encontrá-lo. Os serventes, já exaustos com o suceder dos
acontecimentos, decidiram regressar ao bispo e lhe disseram que Juan Diego era
um farsante enganador e mentiroso; sugeriram, inclusive, que Juan Diego deveria
ser castigado caso retornasse para lhes importunar com a história.
Enquanto isso, Nossa Senhora
aguardava Juan Diego. Chegando ao local, contou o que havia acontecido na casa
do bispo, e que o mesmo havia pedido um sinal para que pudesse dar
crédito à sua mensagem. Maria Santíssima, agradecendo o empenho de seu
mensageiro, pediu para que retornasse no dia seguinte (11 de dezembro), quando
daria o sinal, solicitado pelo Bispo. Ocorre que Juan Diego não pôde retornar
ao local no dia seguinte, pois seu tio Juan Bernardino, a quem amava como se
fosse seu próprio pai, achava-se gravemente enfermo; era portador de uma
doença que os índios chamam Cocoliztli. Procurou por um médico, mas não conseguiu
encontrar nenhum na cidade.
Era já madrugada de 12 de
dezembro, quando o tio rogou ao sobrinho que se dirigisse ao Convento de
Santiago, em Tlatelolco, para chamar um dos religiosos para confessar-se, uma
vez que estava consciente de que lhe restava pouco tempo de vida. Juan Diego
saiu para cumprir a vontade do moribundo e dirigiu-se com muita pressa ao
convento. Chegando, porém , nas cercanias do sítio onde lhe apareceu Nossa
Senhora, decidiu, na simplicidade de seu coração, que era-lhe melhor desviar o
caminho, rodeando o cerro de Tepejac pela parte oriental, a fim de
eventualmente não se entreter com Nossa Senhora, pois que queria chegar o mais
breve possível no convento. Pensou consigo, que mais tarde voltaria para
conversar com Ela sobre o sinal que iria pedir para levar ao Bispo.
Ocorre que nesse momento,
Maria Santíssima desceu o monte e veio ao encontro de Juan Diego, com estas
palavras: "O que se passa com o mais pequeno de meus filhos? Aonde você
vai, para onde te diriges?".
E o índio, muito angustiado,
conta-lhe as suas aflições, da grave enfermidade do tio amado, e a pressa em
procurar-lhe um padre, pois que poucas horas de vida lhe restavam. Pediu
diversas vezes perdão por não ter vindo no dia anterior, e que lhe tivesse um
pouco de paciência, pois que retornaria com toda pressa logo que pusesse termo
às ultimas necessidades do tio. Nossa Senhora ouviu com muito carinho as
desculpas do índio e lhe compreendeu perfeitamente o grande momento de
angústias, tristezas e preocupações que vivia Juan Diego, momento em que a Mãe
de Deus lhe dirige as mais belas palavras, as quais lhe penetraram
profundamente:
"Escuta, põe em teu
coração, meu pequeno filho, que nada te assuste, que nada te aflija; que não se
perturbe teu rosto, teu coração; não temas esta ou outra enfermidade ou
aflição. Não estou aqui, eu que sou tua Mãe? Não estás debaixo de minha sombra
e proteção? Não sou a fonte de tua alegria? Não estás sob o meu manto, na cruz
dos meus braços? Tens necessidade de alguma outra coisa? Que nenhuma outra
coisa te perturbe ou aflija; não te oprimas com a enfermidade de teu tio,
porque ele não morrerá agora. Tenha certeza que ele já está bom".
Neste preciso momento, Maria
Santíssima encontrou-se com o tio Juan Bernardino, restituindo-lhe a saúde, e
disto conversaria posteriormente com Juan Diego. Já consolado com as palavras
de Nossa Senhora, Juan Diego disse estar pronto para levar o sinal ao Bispo. A
Virgem Santíssima, mandou que Juan Diego subisse ao cume do cerrilho, onde
haviam se encontrado, e mandou que lá juntasse as mais variadas flores,
mandando que logo descesse e que as trouxesse à sua presença. Ele sabia que no
local só haviam abrolhos e espinhos, além do que o frio era intenso e naquele
momento, geava. Mesmo assim, com toda a convicção subiu o cerro e quedou-se
admirado diante do precioso jardim de lindas flores variadas, frescas, exalando
um odor suavíssimo; e estendendo a tilma à maneira indígena, começou a cortar
quantas flores pode, juntando-as todas sobre sua tilma. Desceu o monte e
depositou as flores aos pés de Maria Santíssima. Ela tomou em suas mãos as
flores e colocou-as novamente no vão da tilma e em seguida mandou que Juan Diego
levasse o manto à presença do Bispo. Pediu que lhe contasse detalhadamente o
que ocorrera naquele lugar.
Juan Diego chegou a casa do
bispo e suplicou ao porteiro e aos demais empregados que dissessem que desejava
vê-lo; mas ninguém o quis fazê-lo; alguns fingiam que não o entendiam, outros
alegavam que já era tarde da noite, e outros que não o conheciam e diziam que
não mais os importunassem. Juan Diego esperou por muito tempo, de forma que os
empregados, vendo que não saia dali, esperando que o chamassem, observaram que
carregava algo em sua tilma e se aproximaram para ver o que trazia; Juan Diego
acabou não podendo ocultar, pois os empurrões poderiam maltratar as flores,
momento em que disse que abriria somente um pouquinho a tilma, e assim o fez.
Neste momento, viram que eram flores, que desprendiam um perfume maravilhoso. E
cada um queria tirar para si quantas pudessem e, por três vezes o tentaram, mas
não puderam, porque quando concretizaram o intento, já não podiam mais ver as
flores como viram, porque agora já a viam como se estivessem ora pintadas, ora
bordadas, ora costuradas na tilma. Imediatamente foram dizer ao Bispo o que
haviam testemunhado; O bispo parecia compreender que Juan Diego portava a
prova que havia pedido e mandou que ele entrasse.
Juan Diego, entrando,
prostrou-se em sua presença, como já havia feito antes, e contou o que
ocorrera na colina Tepejac, momento em que entregou o sinal de Maria
Santíssima, estendendo sua tilma, caindo em solo as preciosas flores; e seu viu
na tilma, admiravelmente pintada, a Imagem de Maria Santíssima, como ainda se
vê hoje e se conserva no santuário de Guadalupe.
O bispo Zumárraga, junto com
sua família e o servos que estavam ao seu redor, sentiram uma grande emoção,
não podiam acreditar no que seus olhos estavam contemplando: Uma
formosíssima imagem da Virgem Mãe de Deus, Senhora do Céu. O bispo, com pranto
e tristeza, rogou e pediu perdão por não haver realizado sua vontade, sua
palavra. Ao se colocar de pé, o bispo desatou da tilma o colo de Juan Diego e a
colocou em seu oratório.
Mais tarde, a imagem foi
levada com grande triunfo à grandiosa Igreja na colina de Tepejac, construída
conforme o pedido da Virgem.
Em 30 de julho de 2002 o Papa João Paulo II canonizou na Basílica de Guadalupe, na
Cidade do México, Juan Diego, primeiro índio da América a se converter em santo,
em uma cerimônia presenciada por milhares de indígenas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário