Da vida bem simples de João Ruysbroeck pouco
há para dizer; da sua obra, pelo contrário, poder-se-ia discutir longamente.
João van Ruysbroeck conservou o nome da aldeia
onde nasceu em 1293. Está a uns 9 Km ao sul de Bruxelas. O pai de João deve
ter morrido cedo. Aos onze anos ele foi colocado sob a direção do Mestre
João Hinckaert, cônego de Santa Gúdula em Bruxelas. Sua piedosa mãe
veio habitar na aldeia vizinha,
para estar muitas vezes com o filho querido, que lhe respondeu sempre com a
mais terna afeição.
Na escola, João foi aluno medíocre, não
se interessando pelos estudos. Mas depois tomou gosto pela teologia e desde que
pôde entregou-se a ela exclusivamente. Fez parte do clero de Santa Gúdula,
antes mesmo da ordenação sacerdotal, que recebeu em 1318. A mãe, falecida pouco
antes, apareceu-lhe depois da primeira Missa ”agradecendo-lhe com rosto
tranquilíssimo”, ele então teve a certeza de que, por virtude da Eucaristia
celebrada, Deus a tinha libertado da pena a que estivera sujeita até então no
purgatório.
Nos seus desejos de vida virtuosa e contemplativa, João
Ruysbroeck foi ajudado por outros dois capelães de santa Gúdula.
Havia nessa altura, na floresta de Soignes, duas léguas de Bruxelas, uma casa
habitada por um piedoso ermitão, Lamberto, que, a pedido dum dos
companheiros de João, concordou em se afastar para deixar o posto aos três
novos hóspedes. A pequena comunidade ficou constituída em 1343. Em 1350,
com a autorização do bispo de que dependia toda a região, os eremitas de
Groenendael tomaram o hábito dos cônegos regulares de Santo Agostinho,
João Ruysbroeck, eleito prior, ficou ali até à morte.
A vida em Groenendael parece-nos duma simplicidade
encantadora. O número de religiosos de coro não passou nunca de vinte. João entregava-se
um pouco ao trabalho manual. O seu biógrafo conta que «ele costumava aplicar-se às tarefas mais vis, transportando estrume
ou outras cargas grosseiras com toda a humildade… Assim acontecia às
vezes que, pelo seu empenho em ajudar os servos, era para eles, sobretudo para
os jardineiros – mais estorvo que ajuda. Na verdade, não sabendo distinguir
entre ervas más e boas, arrancava as boas ao mesmo tempo que desenraizava as
más. E, coisa admirável, embora se
aplicasse ao trabalho manual, só raramente era por ele perturbado nos seus
exercícios piedosos».
Enquanto uma mão trabalhava, a outra desfiava o
terço. Se era desajeitado, amava a natureza e «tinha como hábito, quando sentia a inundação dos raios da luz
divina, ir sozinho para o segredo dum bosque. E lá, enquanto o Espírito Santo
ditava, ele escrevia tudo o que lhe vinha à mente». Mas, quando se viu
estorvado pela velhice, «juntou a si,
como ajudante, um dos irmãos do mosteiro, que em pequenas tábuas enceradas copiava
os segredos que lhe eram revelados…».
A sua alma bem-aventurada, em grandes suspiros
interiores e em íntimo fervor do coração, desejava, como o veado que
suspira pelas fontes das águas interiores, voar para os abraços tão
ambicionados do seu Esposo. Por isso, repetindo muitas vezes «Quando chegarei e aparecerei diante da
face do meu Deus?» e palavras semelhantes, ele constituía para todos
tão grande exemplo de devoção que, se bem estava a chorar por João que ia sair
do mundo, melhor era ainda alegrar-se com ele que ia em breve gozar da
felicidade eterna, desta bem-aventurança tão desejada. Sabendo pois, que desta
doença grave devia em breve morrer, como ele estava ainda deitado no quarto do
prior, pediu humildemente que o levassem para a enfermaria comum dos irmãos.
Lá, atingido por grave ataque de febre e sofrendo ao mesmo tempo de disenteria,
passou na cama quase quinze dias em grande fraqueza.
Por fim, no meio dos irmãos em oração, e depois de
se recomendar devotamente a eles, muito presente de espírito e com o rosto
radioso, adormeceu felizmente na paz com um suspiro e sem os sinais agonizantes.
Era o ano de 1381. Tinha já mais de 88 anos e era padre havia cerca
de 64.
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