“Hoje a Igreja convida-nos a
comemorar todos os fiéis defuntos, a dirigir o nosso olhar para os numerosos
rostos que nos precederam e que concluíram o caminho terreno.
Gostaria de vos propor
alguns pensamentos simples sobre a realidade da morte, que para nós cristãos é
iluminada pela Ressurreição de Cristo, e para renovar a nossa fé na vida
eterna.
Nestes dias vamos ao
cemitério para rezar pelas pessoas queridas que nos deixaram, é quase como ir
visitá-las para lhes manifestar, mais uma vez, o nosso carinho, para as sentir
ainda próximas, recordando também, deste modo, um artigo do Credo: na comunhão
dos Santos há um vínculo estreito entre nós que ainda caminhamos nesta terra e
muitos irmãos e irmãs que já alcançaram a eternidade.
Desde sempre, o homem
preocupou-se pelos seus mortos e procurou conferir-lhes uma espécie de segunda
vida, através da atenção, do cuidado e do carinho.
De certa maneira, deseja-se
conservar a sua experiência de vida; e, paradoxalmente, como eles viveram, o
que amaram, o que temeram e o que detestaram, nós descobrimo-lo precisamente a
partir dos túmulos, diante dos quais se apinham recordações. Estas são como que
um espelho do seu mundo.
Por que é assim?
Porque, não obstante a morte
seja com frequência um tema quase proibido na nossa sociedade, e haja a
tentativa contínua de eliminar da nossa mente até o pensamento da morte, ela
diz respeito a cada um de nós, refere-se ao homem de todos os tempos e de todos
os espaços. E diante deste mistério todos, também inconscientemente, procuramos
algo que nos convide a esperar, um sinal que nos dê consolação, que abra algum
horizonte, que ofereça ainda um futuro. Na realidade, o caminho da morte é
uma senda da esperança, e percorrer os nossos cemitérios, como também ler as
inscrições sobre os túmulos é realizar um caminho marcado pela esperança de
eternidade.
Mas perguntamo-nos: por
que sentimos medo diante da morte?
Por que motivo uma boa parte da humanidade nunca se
resignou a acreditar que para além dela não existe simplesmente o nada?
Diria que as respostas são
múltiplas: temos medo diante da morte, porque temos medo do nada, este partir
rumo a algo que não conhecemos, que nos é desconhecido. E então em nós existe
um sentido de rejeição, porque não podemos aceitar que tudo quanto de belo e
grande foi realizado durante uma existência inteira seja repentinamente eliminado
e precipite no abismo no nada. Sobretudo, nós sentimos que o amor evoca e exige
a eternidade, e não é possível aceitar que ele seja destruído pela morte num só
instante.
Além disso, temos medo
diante da morte porque, quando nos encontramos próximos do fim da existência,
há a percepção de que existe um juízo sobre as nossas obras, sobre o modo como
conduzimos a nossa vida, principalmente sobre aqueles pontos de sombra que, com
habilidade, muitas vezes sabemos anular ou tentamos remover da nossa consciência.
Diria que precisamente a questão do juízo está com frequência subjacente ao
cuidado do homem de todos os tempos pelos finados, a atenção pelas pessoas que
foram significativas para ele e que não estão mais ao seu lado no caminho da
vida terrena.
Num certo sentido, os gestos
de carinho e de amor que circundam o defunto constituem um modo para o
proteger, na convicção de que eles não permaneçam sem efeito na hora do juízo.
Podemos ver isto na maior parte das culturas que caracterizam a história do homem.
Hoje o mundo tornou-se, pelo
menos aparentemente, muito mais racional, ou melhor, difundiu-se a tendência a
pensar que cada realidade deve ser enfrentada com os critérios da ciência
experimental, e que também à grandiosa interrogação da morte é necessário
responder não tanto com a fé, mas a partir de conhecimentos experimentais,
empíricos. Porém, não nos damos conta de modo suficiente, de que precisamente
desta maneira terminamos por cair em formas de espiritismo, na tentativa de
manter algum contacto com o mundo para além da morte, quase imaginando que
existe uma realidade que, no final, seria uma réplica da vida presente.
Caros amigos, a
Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração de todos os fiéis defuntos
dizem-nos que somente quem pode reconhecer uma grande esperança na morte, pode
também levar uma vida a partir da esperança.
Se nós reduzirmos o homem
exclusivamente à sua dimensão horizontal, àquilo que se pode sentir de forma
empírica, a própria vida perde o seu profundo sentido.
O homem tem necessidade
de eternidade, e para ele qualquer outra esperança é demasiado breve, é
demasiado limitada. O homem só é explicável, se existir um Amor que supere todo
o isolamento, também o da morte, numa totalidade que transcenda até o espaço e
o tempo. O homem só é explicável, só encontra o seu sentido mais profundo, se
Deus existir. E nós sabemos que Deus saiu do seu afastamento e fez-se próximo,
entrou na nossa vida e diz-nos: «Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em
mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim,
jamais morrerá» (Jo 11,
25-26).
Pensemos por um momento na
cena do Calvário e voltemos a ouvir as palavras que Jesus, do alto da Cruz,
dirige ao malfeitor crucificado à sua direita: «Em verdade te digo: hoje
estarás comigo no Paraíso» (Lc 23,
43).
Pensemos nos dois discípulos
no caminho de Emaús quando, depois de terem percorrido um trecho da estrada com
Jesus Ressuscitado, O reconhecem e, sem hesitar, partem rumo a Jerusalém para
anunciar a Ressurreição do Senhor (cf. Lc 24, 13-35).
Voltam à mente com clareza
renovada as palavras do Mestre: «Não se turve o vosso coração: credes em
Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não
fora, ter-vo-lo-ia dito; pois vou preparar-vos um lugar?» (Jo 14, 1-2).
Deus revelou-se
verdadeiramente, tornou-se acessível e amou de tal modo o mundo, «que lhe deu o
seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida
eterna» (Jo 3, 16), e no
supremo gesto de amor da Cruz, mergulhando no abismo da morte, venceu-a,
ressuscitou e abriu também para nós as portas da eternidade. Cristo sustém-nos
através da noite da morte que Ele mesmo atravessou; é o Bom Pastor, em quem
podemos confiar sem qualquer temor, porque Ele conhece bem o caminho, até
através da obscuridade.
Cada domingo, recitando o
Credo, nós confirmamos esta verdade. E visitando os cemitérios para rezar com
afeto e com amor pelos nossos defuntos, somos convidados, mais uma vez, a
renovar com coragem e com força a nossa fé na vida eterna, aliás, a viver com
esta grande esperança e testemunhá-la ao mundo: por detrás do presente não
existe o nada. E é precisamente a fé na vida eterna que confere ao cristão a
coragem de amar ainda mais intensamente esta nossa terra e de trabalhar para
lhe construir um futuro, para lher dar uma esperança verdadeira e segura.
Obrigado!”
Papa Bento XVI
02/11/2011
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