João Kuncewicz nasceu em
1580, na cidade de Wolodymyr, na atual Lituânia, mas então pertencente à
Polônia. Era filho de simples e respeitado comerciante.
Ainda criança, vendo o
crucifixo, pergunta a sua mãe o que ele significa. Diante da explicação, sente
como uma centelha de fogo que caía sobre seu coração, comunicando-lhe grande
amor pelas cerimônias da Igreja. Foi o ponto de partida de sua vida interior e
de sua missão.
Sua infância transcorre na
mais perfeita inocência e piedade, que se refletem até em seus divertimentos
preferidos. Decora o Ofício divino para poder cantá-lo.
Enviado a Vilnius para fazer
carreira junto a rico comerciante, não perde o hábito da oração, o que lhe
acarreta injustos castigos corporais, pois o patrão deseja vê-lo somente produzindo.
Sua piedade, porém, cresce em meio às dificuldades.
A capital da Lituânia era
então uma arena onde todos os erros se conjugavam para combater a Santa Igreja.
Cada tipo de heresia lá tinha seu templo, seu ministro e seus defensores. Em
uma mesma família ocorria o fato de ser o pai de uma, a mãe de outra e os
filhos de uma terceira religião.
Exposto aos perigos próprios
a tal ambiente, sem conselho, sem experiência, evitando as pessoas ociosas,
levianas e imorais, atravessou Josafá esse ambiente sem sujar sequer a franja
de suas vestes.
Vivia-se a época do cisma
provocado pelas igrejas do Oriente e Josafá foi um dos grandes batalhadores
pela união delas com Roma, tendo obtido vitória em muitas das frentes de
batalha. Josafá rezou a Deus Nosso Senhor suplicando-lhe que lhe indicasse o
caminho que devia trilhar.
"A partir desse momento -
narra o próprio Santo - votei tal ódio ao cisma, que
era forçado a repetir sem cessar a palavra do profeta: Eu odeio a sinagoga dos maus (Salmo 25)".
Desde então nasceu nele o
desejo ardente de combater qualquer forma de cisma, o defensor da união com a
Igreja de Roma.
Espírito vivo e sagaz,
propenso a análises sólidas, dotado de memória fácil, considera o comércio uma
atividade insuportável. E nem mesmo a promessa de tornar-se herdeiro do rico
comerciante leva-o desistir de seguir sua vocação, que é a de tornar-se monge
basiliano. Assim, em 1605 ingressa na Ordem de São Basílio, nela recebendo o
nome de Josafá, segundo o costume grego.
As leituras sobre a vida e o
holocausto dos mártires não somente o entretêm, mas conferem-lhe ânimo para a
luta de todos os dias.
A reputação de suas virtudes
chegou aos ouvidos de certa mulher de má vida, que o visita na certeza de
conseguir seduzi-lo. Indignado, ordena o Santo que ela se afaste. Diante da
negativa, arma-se com um bastão e à força de golpes obriga a infame pecadora a
fugir envergonhada. A notícia de tal ato de virtude logo circula pela cidade, e
em decorrência disso, todos querem ver Josafá e ter a honra de merecer sua
amizade.
Nota-se no espírito do Santo
simplicidade, retidão, amor de Deus extraordinários. Aos poucos, forma-se em
torno dele, pequena mas fervorosa comunidade religiosa. Nela, Josafá exerce as
funções de sacristão, corista, ecônomo; em uma palavra, todas as atividades
secundárias da casa.
Certa ocasião, os cismáticos
convidam-no para uma reunião, esperando atraí-lo para sua causa. De volta ao
mosteiro, Josafá comenta que estava chegando do inferno, onde ouvira a voz de
Satanás propondo-lhe que renunciasse à fé.
As agitações crescem em
torno de si, não podendo sair em público sem ser objeto de vaias e maldições
dos cismáticos. Chamam-no de traidor, hipócrita, trapaceiro, ignorante, ímpio.
Jogam-lhe até pedras e paus.
Durante tais perturbações,
em 1609, recebe a ordenação sacerdotal, completando, com tal Sacramento, o
sacrifício de louvores a Deus que havia iniciado desde a infância.
Sempre grave e recolhido,
por inclinação natural, manifesta rara disposição para o estudo. Espírito
penetrante, tudo o que lê e entende fica gravado em sua mente.
Explica-se, pois, que
discorra sobre os artigos da fé, nos pontos discutidos pelos cismáticos, com
clareza e encanto fulgurantes. à sua voz, uns abjuram a heresia, outros o cisma
e outros ainda renunciam a uma vida pecaminosa. A graça de Deus transborda de
seus lábios e triunfa sempre de seus adversários fazendo-os retirarem-se
confusos e estupefatos, perguntando-se donde lhe vinha tanta sabedoria.
Apelidaram-no o Arrebatador de almas.
Sua atividade é prodigiosa:
vigário, administrador nos planos temporal e espiritual, ecônomo, confessor,
mestre de noviços, além de visitar hospitais e bairros pobres.
E quanto mais rezava, mais
se abrasava do desejo de se imolar por Deus.
Um
bispo inflexível na defesa da Fé
Em 1617 foi nomeado Bispo de
Vitebsk, com direito à sucessão ao Arcebispado de Polock, o que aconteceu em
1618. Sua autoridade estendendo-se então as duas cidades, atualmente em
território da Bielorússia. Naqueles anos a situação de confronto entre
católicos e cismáticos permanece relativamente calma.
A cerimônia de sua posse em
Polock é majestosa, com bastante pompa. O comissário real apresenta-o à nobreza
e aos governadores da cidade, dizendo: "Em nome e por ordem do Rei,
apresento à Igreja católica, um arcebispo; à nobreza, um novo ornamento; à
cidade, um defensor e a todo rebanho, um pastor".
Era amado pelo povo pelo
exemplo de suas virtudes, obediência total à disciplina monástica e à prática
da caridade.
Exemplo disso foi quando,
certa vez, sem ter como ajudar uma viúva que passava necessidades, penhorou o
pálio de bispo para conseguir dinheiro e socorrê-la.
Em seu palácio são recebidos
tanto ricos como pobres. Um familiar seu também o procura para pedir-lhe
auxílio. Mas obtém como resposta que as rendas destinam-se à Igreja e aos
pobres. Seu parente então satisfaz suas necessidades com seu próprio trabalho.
Amando sem medidas a Deus e
sua Lei, como conseqüência natural, o Santo detesta também sem medidas a
doutrina oposta a Deus.
Diante das pressões para
estabelecer uma paz a todo custo com os cismáticos, Josafá responde que a paz é
um bem público, desde que seja aquela a que Nosso Senhor se referiu dizendo "Eu vos deixo a minha paz".
Não, porém, a outra que Ele execra, dizendo que não veio trazer a paz, mas a
espada (cfr. Mt 10,34). Que falsa paz seria essa, selada ao preço de grave
ofensa a Deus?
Os cismáticos agridem os
católicos, e, ao mesmo tempo, choram apresentando-se como vítimas. Tais
artimanhas não são suficientes para demover o Santo de sua firme posição e de
seu zelo pela ortodoxia.
Josafá defendia com coragem
a autoridade do papa e o fim do cisma, com a conseqüente união das igrejas.
Pregava e fazia questão de seguir os ensinamentos de Jesus numa só Igreja, sob
a autoridade de um único pastor. Sua luta incansável reconquistou muitos
hereges e ele é considerado o responsável pelo retorno dos rutenos ao seio da
Igreja. Embora outras igrejas do Oriente não o tenham seguido, foi uma vitória
histórica e muito importante.
Com o passar do tempo, a atitude
dos cismáticos torna-se cada vez mais ameaçadora. Gritos sinistros, injúrias e
pedradas avolumam-se. Essa audácia só se explicava por um encorajamento
externo. Para eles, Josafá está fora da lei e uma tentativa de assassiná-lo não
constitui crime, apesar do castigo infligido pela Providência a vários dos que
atentaram contra sua vida.
Seus servidores também
compartilham tais sofrimentos, sendo insultados, agredidos com paus e pedras
quando saem à rua.
Martírio,
milagres e glória eterna
Josafá ardia do desejo de
morrer por Nosso Senhor Jesus Cristo e participar de Sua glória eterna.
Em novembro de 1623,
encontra-se em Vitebsk, numa visita pastoral. Não foi possível fazê-lo sair da
cidade, onde abertamente se planeja sua morte, pois o fanatismo abafa nas almas
o horror ao crime.
No dia 12 daquele mês, um
domingo, depois das orações matinais na igreja, é dado o sinal, e todos
conspiradores aglomeram-se à porta do templo para pegá-lo à saída. Ele avança
com passo firme através das fileiras cerradas da turba; gritos de morte, armas
que são brandidas sobre sua cabeça não o assustam. Sua presença altaneira faz
aos poucos cessar o tumulto. E assim pôde chegar a salvo ao Palácio episcopal.
Este então é invadido. Mas, à vista do Santo Bispo, os assassinos recuam. Há um
momento de indecisão. Dois celerados precipitam-se de uma sala ao lado, e
postulando sua morte, atiram-se sobre sua pessoa, ferindo-o e pisando-o. Seu
corpo, sobretudo a cabeça, deixa de apresentar a forma humana. Cospem sobre o
cadáver, arrancam-lhe a barba e os cabelos.
E apesar de Deus sua ira
manifestar cegando uma mulher que lhe arrancava a barba, cobrindo o palácio com
uma tenebrosa nuvem, da qual saía um raio de luz que ia pousar sobre o corpo -,
parece que todos estão entregues ao demônio.
Arrastam-no pelas ruas da
cidade. Sua cabeça bate num muro e deixa a silhueta incrustada, de tal maneira
que foi impossível apagá-la. Do alto da colina para onde foi levado, o corpo é
lançado no rio Dwina. Entretanto, nenhum osso se fratura.
Como se tudo isso não
bastasse, alguns dos revoltosos pegam o corpo e o conduzem a um lugar do rio
conhecido pela profundidade, a fim de que ali ele apodrecesse. Neste momento
uma coluna de luz indica o local onde o corpo se encontra. E apesar da
quantidade de pedras que nele foram atadas para que afundasse, o cadáver
reaparece em seguida, seguindo os assassinos. Estes tiveram que fazer grande
esforço para jogá-lo novamente no local mais fundo do rio.
No palácio, alguns
magistrados, que aparecem tardiamente, mandam transportar um cofre contendo
objetos de culto, que os golpes dos assassinos não conseguiram abrir. Ao passar
por uma mancha de sangue do Arcebispo, o cofre cai e se abre; um cálice, que
estava dentro, rola, tinge-se de sangue e volta para sua posição normal, indicando
que o sacrifício de Josafá havia se unido ao Sacrifício eterno de Nosso Senhor.
Alguns dias depois, uma luz
milagrosa saindo das águas indica o lugar onde se encontram os restos mortais
do Mártir. O céu, que permanecera sombrio, retoma sua cor normal. Entre os
habitantes da cidade, o espanto cede lugar à dor.
Seu corpo é resgatado.
Apesar de ter ficado quase seis dias sob as águas, nenhum sinal de decomposição
existe nele. As feridas parecem ornatos que o embelezam.
Muitas vezes as palavras não
são suficientes na pregação para persuadir e converter. É necessário falar
mediante chagas, comover pelo sangue. Sua feridas transfiguradas apresentavam
uma eloqüência irresistível. À vista desse espetáculo, um cismático converte-se
e se dispõe a dar a vida pela Igreja católica.
Era um santo, - dizia
o povo - nunca ofendeu qualquer pessoa; malditos os que o
mataram!
- Por que adoras essas pedras? -
gritam para um cego cismáticos que ali se encontravam. Mas eis que, confusos,
ouvem eles a exclamação desconcertante: Vejo!
Deus, prodigalizando assim
os milagres, chancela a conduta heróica e firme do servidor fiel, que não
dobrou os joelhos diante de seus inimigos.
Para satisfazer a devoção
popular, o cadáver precisa permanecer 10 dias exposto na catedral de Polock,
onde é sepultado. Em vez da dor, todos experimentam uma sensação de alegria ao
contemplar seu corpo.
Quando se examina a lista de
milagres, fica-se impressionado ao se verificar que todos os amigos do Santo
que lhe pediram favores, são invariavelmente atendidos.
São Josafá foi beatificado
em 1643, por Urbano VIII. E no dia 29 de junho de 1867, o canhão do castelo de
Santangelo e os sinos de todas as igrejas romanas saudaram o novo Santo,
canonizado por Pio IX.
É considerado o precursor
do ecumenismo que vivemos em nossos dias.