quarta-feira, 3 de junho de 2015

São Carlos Luanga e companheiros

O continente africano só foi aberto aos europeus depois da metade do século XIX. Antes disso, as relações entre as culturas davam-se de forma violenta, principalmente por meio do comércio de escravos. Portanto, não é de estranhar que os primeiros missionários encontrassem, ali, enorme oposição, que lhes custava, muitas vezes, as próprias vidas.
No século XIX, Buganda era um reino independente ao norte do Lago Vitória, no centro da África. Ele se tornaria depois uma das quatro províncias do protetorado inglês de Uganda. Monarquia hereditária de tipo africano, seu monarca tinha direito de vida e morte sobre seus súditos. Governo organizado, o que era raro naquele continente, Buganda surpreendeu os europeus.
Cerca de três mil pessoas viviam no conjunto do palácio real, incluindo 400 pajens encarregados dos ofícios mais diversos ligados ao monarca. Tais pajens eram escolhidos pelos chefes locais entre os mais inteligentes e bem apessoados meninos de 12 anos do reino, e quando atingiam os 20 anos de idade passavam para a guarda pessoal do rei.
Os primeiros missionários católicos chegaram ao reino em 1878, os “Missionários da África” ou “Padres Brancos” franceses, sendo cortesmente recebidos pelo rei, Mutesa I, como o foram também protestantes e muçulmanos.
A pregação começou por Uganda, onde conseguiu chegar a “Padres Brancos”, congregação fundada pelo cardeal Lavigérie. Posteriormente, somaram-se a eles os padres combonianos. A maior dificuldade era mostrar a diferença entre missionários e colonizadores.

Os “Padres Brancos” abriram um orfanato que se tornou o núcleo da futura cristandade, mas ficaram desapontados com o fraco interesse do povo. Também os órfãos se mostraram muito arredios e difíceis de educar. De modo que, em 1882, os missionários tiveram que se retirar do país. Deixaram, entretanto, alguns conversos que não só perseveraram, mas começaram a fazer apostolado por sua conta.
Quando faleceu Mutesa I em 1884, subiu ao trono seu filho Muanga II, de 18 anos. Este não tinha o senso político do pai e era dado às práticas homossexuais, utilizando para suas ações os pajens da corte. Apesar disso, Muanga pediu que voltassem ao reino os missionários, aos quais tinha admirado em sua infância. Eles o fizeram somente dois anos depois, tendo a alegria de encontrar um núcleo de aproximadamente duzentos conversos entre rapazes e moças do palácio real, os “rezadores”, como eram chamados.

O rei Muanga tentou seduzir Muafa. Este era um dos jovens pajens que se recusou ao pecado da prática homossexual, dizendo que seu corpo era templo do Espírito Santo. Muanga soube que o rapaz estava sendo catequizado por outro pajem, Denis Sebuggwawo, de 17 anos, recém-batizado. Mandou-o vir à sua presença e o interrogou sobre o que estava ensinando a Muafa. Denis respondeu corajosamente que lhe ensinava a única Religião verdadeira. Enfurecido, Muanga matou-o com uma lançada no pescoço. São Denis foi, assim, o segundo mártir de Buganda.
Durante a noite que se seguiu ao martírio, Carlos Luanga, que tinha ficado encarregado dos pajens cristãos desde a morte de José, viu que as coisas tomavam um rumo muito perigoso e resolveu batizar quatro pajens ainda catecúmenos ­– inclusive Kizito, de apenas 13 anos – e recomendar-lhes perseverança na fé.
No dia seguinte, Muanga se reuniu com seu conselho e foi decidido exterminar de vez aqueles “fanáticos”, que não obedeciam mais ao rei. Muanga chamou os 100 carrascos reais, convocou todos os pajens para comparecer à sua presença, e disse-lhes: “Os que rezam, vão para aquele lado. Os que não rezam, fiquem aqui junto a mim”.
Carlos Luanga levantou-se, tomou Kizito pela mão e foi se colocar no local indicado para os “rezadores”. Seguiram-no mais doze, todos com menos de 25 anos de idade. Muanga perguntou-lhes se eles pretendiam permanecer cristãos. Todos responderam corajosamente que sim, e foram condenados à morte. O rei mandou vir também um soldado que se tinha tornado católico, Tiago Buzabaliawo, oferecendo-lhe o perdão se apostatasse. Tiago recusou-se terminantemente, e foi engrossar o cortejo dos confessores da fé. Foi também condenado um chefe tribal, André Kagwa, que tinha convertido toda sua família e muitos conhecidos; e Matias Kalemba, juiz suplente num tribunal de província, que primeiro se tinha tornado muçulmano, depois anglicano, convertendo-se finalmente para a verdadeira Religião.

Tranquilidade ante a perspectiva do martírio

A execução seria em Namungongo, a 60 km de distância. Em cada encruzilhada era imolado um cristão aos deuses locais.
Os condenados passaram perto da casa dos “Padres Brancos”. O Pe. Lourdel, que tinha batizado a vários deles, ficou pasmo diante da tranquilidade e alegria com que se dirigiam ao local do suplício, inclusive o menino Kizito. Quando o sacerdote ergueu sua mão para dar-lhes a absolvição, Tiago Buzabaliawo ergueu suas mãos imobilizadas apontando para o céu, como que a dizer que lá esperava o sacerdote.
Chegados ao local da imolação, os prisioneiros foram atados fortemente, divididos em grupos e trancados em cabanas, amarrados a postes. Os mais velhos de cada grupo encorajavam os mais novos a perseverarem. Assim permaneceram durante uma semana, até que uma gigantesca fogueira terminou de ser montada.
Em 3 de junho, dia da Ascensão, os pajens foram deitados de costas em esteiras de caniço seco, com as mãos amarradas, e colocados na fogueira.
Um dos pajens, Mubaga Tuzinde, de 17 anos, filho do carrasco-mor, teve que enfrentar a pressão do pai, que insistia em que apostatasse. Como Mubaga se mantivesse firme na fé, o pai mandou dar-lhe violenta pancada na nuca para matá-lo antes de pô-lo na fogueira.
Sem prantos nem gritos, mas rezando em alta voz, os mártires entregaram suas almas a Deus, dizendo aos seus carrascos: “Vocês podem matar nosso corpo, mas não nossa alma, que a Deus pertence”.
Os carrascos ficaram perplexos com a atitude tranquila e alegre dos mártires frente à morte, comentando entre si: “Nós já matamos muita gente, mas a nenhum como estes, que não gemem nem choram, nem dizem más palavras. Tudo o que ouvimos é um suave murmúrio de preces. Eles rezam até morrer”.
Entretanto, para Carlos Luanga fora preparada morte ainda mais terrível: ser assado vivo a fogo lento! Um dos pajens católicos, dos três que por motivos ignorados foram poupados, declarou que um dos carrascos separou Carlos Luanga dos outros, dizendo:“Ele será minha vítima”. Carlos foi deitado numa pira em que o fogo foi mantido bem baixo para o ir queimando lentamente. O fogo porém consumiu-lhe as pernas sem tocar no resto do corpo.


O último mártir foi um pajem de nome João Maria, decapitado no dia 27 de janeiro de 1887. No total foram 22 mártires que foram beatificados por Bento XV e canonizados por Paulo VI no dia 18 de outubro de 1964, na presença dos padres do Concílio Vaticano II, e o próprio Paulo VI consagrou em 1969 o altar do grandioso santuário que surgiu em Namugongo, onde os três pajens guiados por Carlos Lwanga quiseram rezar até a morte.




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