sábado, 30 de setembro de 2017

30 de setembro - São Jerônimo e a Sagrada Escritura

A Igreja no Brasil dedica o mês de setembro a Bíblia. É um dos meses temáticos e que nos motiva a viver acolhendo sempre em nossas vidas a Palavra de Deus. No último domingo deste mês comemoraremos também o Dia Nacional da Bíblia. Toda essa motivação vem do fato da Igreja celebrar em 30 de setembro a memória do grande santo e doutor da Igreja, São Jerônimo, que a pedido do Papa Dâmaso (366-384) preparou uma tradução da Bíblia em latim, a partir do hebraico e do grego; a chamada Vulgata. Foi um trabalho gigantesco que demandou cerca de 35 anos isolado nas grutas de Belém, onde ele fazia esse oficio, vivendo uma austera vida de oração e penitência.

Conhecer a Palavra de Deus é fundamental para todo cristão. A Carta aos hebreus diz que “a Palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes, e atinge até à divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4,12). Jesus conhecia profundamente as Escrituras (o Antigo Testamento).  Isso é o suficiente para que todos nós façamos o mesmo. Na tentação do deserto ele venceu o demônio lançando em seu rosto, por três vezes, a santa Palavra.  Quando o tentador pediu que Ele transformasse as pedras em pães, para provar Sua filiação divina, Jesus lhe disse: “O homem não vive só de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor” (Dt 8,3c).

A palavra de Deus é transformadora, santificante. São Paulo explica isso a seu jovem discípulo Timóteo, com toda convicção: “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para persuadir, para corrigir e formar na justiça” (2Tm 3,16). Ela é, portanto, um instrumento indispensável para a nossa santificação. Não conseguiremos ter “os mesmos sentimentos de Cristo” (Fl 2,5) sem ouvir, ler, meditar, estudar e conhecer a sua santa palavra. São Jerônimo, dizia que “quem não conhece o Evangelho não conhece Jesus Cristo”. Jesus nos ensina que “a Escritura não pode ser desprezada” (Jo 10,34). São Paulo recomendava a Timóteo”: “aplica-te à leitura da Palavra” (1Tm 4,13). Ela não é palavra humana, mas “palavra de Deus… que age eficazmente em vós” (1Ts 2,13).

Para termos os textos bíblicos hoje traduzidos em nossas línguas vernáculas temos que reportar ao grande homem que foi o grande tradutor dos originais para a língua da época, e que para ser fiel ao contexto, também viveu na Terra Santa dezenas de anos: São Jerônimo (347-420), chamado de “Doutor Bíblico”. Ele nasceu na Dalmácia e educou-se em Roma; é um dos Padres da Igreja latina; sabia o grego, latim e hebraico. Em sua juventude dedicando muito tempo a autores clássicos, quase nunca encontrava ocasião para as leituras cristãs. Totalmente posto nessa situação nada conveniente, ele, contudo, não tinha rompido com os princípios que conhecera na infância, não havia, de todo, cortado os laços com suas raízes cristãs. Tempos mais tarde, Jerônimo admitiu que essa sua atitude o tinha colocado fora do verdadeiro caminho. Apesar disso ele recordava também que Deus não o havia abandonado nunca e que o guiava constantemente. Foi por essa ocasião que ele tornou-se catecúmeno. Continuava seus estudos e preparava-se para ser batizado. Seus domingos em Roma consistiam em constantes visitas às catacumbas. Ali ele meditava sobre a fé dos mártires, admirava a atitude deles e venerava suas relíquias.

Jerônimo recebeu o santo batismo na idade adulta. Ele foi batizado pelo Papa Libério. Já como cristão batizado, ele fez uma viagem de estudos pelas Gálias. Para acompanhá-lo levou consigo seu irmão de leite Bonoso. Jerônimo quis visitar Jerusalém. Queria caminhar pela Terra Santa, venerar os lugares que foram santificados pela presença de Nosso Senhor. Aproveitou a ocasião de sua estada em Jerusalém para aprofundar seus conhecimentos da língua hebraica, ele desejava ter um meio a mais para conhecer melhor as Sagradas Escrituras. Assim, poderia ter mais segurança nas respostas às questões que o Papa São Dâmaso lhe fazia constantemente a respeito de passagens difíceis dos Livros Sagrados.

Depois viveu alguns anos na Palestina como eremita. Em 379, foi ordenado sacerdote pelo bispo Paulino de Antioquia; foi ouvinte de São Gregório Nazianzeno e amigo de São Gregório de Nissa. De 382 a 385 foi secretário do Papa São Dâmaso. Pregava o ideal de santidade entre as mulheres da nobreza romana (Marcela, Paula e Eustochium) e combatia os maus costumes do clero. Na figura de São Jerônimo destacam-se a austeridade, o temperamento forte, o amor a Igreja e à Sé de Pedro.

Seus últimos 35 anos ele os passou em uma grande cova, próxima à Gruta do Presépio. Ali continuou, até a morte, seus estudos e trabalhos bíblicos e com muita energia ainda escrevia contra os hereges que se atreviam a negar as verdades da Santa Igreja Católica, entre eles Helvídio e Joviano. No dia 30 do mês de setembro do ano 420, falece São Jerônimo. Contudo, o trabalho de São Jerônimo abrangeu praticamente sua vida toda. Ele escrevia com elegância clássica o latim e traduziu a Bíblia inteira. Daí foi que surgiu a texto da Bíblia conhecido como “Vulgata”, que significa “de uso comum” ou ainda a língua “vulgar” da época. Essa tradução foi usada largamente em quase quinze séculos. Seu texto tornou-se oficial com o Concílio de Trento e só cedeu o lugar nos últimos tempos, depois de estudos linguísticos exegéticos mais recentes.

A luz da Palavra de Deus nos ajuda a refletir “sobre os diversos problemas humanos e amadurecer opções responsáveis inspiradas no amor universal de Cristo”.(Cf. Ecclesia in America, 41). Colocando a Palavra de Deus em concreto na nossa ação pastoral nós vamos assumir a realidade (encarnação) e anunciar o Reino de Justiça e Vida (redenção) respondendo aos desafios que nos apresenta a sociedade (evangelização).

O contato direto, orante e contextual com a Palavra de Vida que a Sagrada Escritura oferece, deve conduzir-nos a um compromisso sério de fraternidade e solidariedade. Um importante desafio da animação bíblica é implementar caminhos e meios que ajudem a impulsionar e iluminar a ser uma Igreja em saída, comprometida com os mais pobres e humildes, samaritana quando enxuga a dor dos que sofrem e vivem à margem da sociedade, mais profundamente comprometida com uma renovação, Igreja sempre em reforma, para atualizar a Palavra de Deus, que é lâmpada para os nossos pés e luz para os nossos caminhos.


Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

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