80. Jesus propôs esta parábola para responder a uma pergunta: “Quem é o meu próximo?” (Lc 10, 29). A palavra próximo na sociedade do tempo de Jesus costumava indicar a pessoa que está mais vizinha, mais próxima. Pensava-se que a ajuda devia encaminhar-se em primeiro lugar para aqueles que pertencem ao próprio grupo, à própria raça. Para alguns judeus de então, um samaritano era considerado um ser desprezível, impuro, e, por conseguinte, não estava incluído entre o próximo a quem se deveria ajudar. O judeu Jesus transforma completamente esta impostação: não nos convida a interrogar-nos quem é vizinho a nós, mas a tornar-nos nós mesmos vizinhos, próximos.
81. A proposta é fazer-se presente a quem precisa de ajuda, independentemente de fazer parte ou não do próprio círculo de pertença. Neste caso, o samaritano foi quem se fez próximo do judeu ferido. Para se tornar próximo e presente, ultrapassou todas as barreiras culturais e históricas. A conclusão de Jesus é um pedido: “Vai e faz tu também o mesmo” (Lc 10, 37). Por outras palavras, desafia-nos a deixar de lado toda a diferença e, em presença do sofrimento, fazer-nos vizinhos a quem quer que seja. Assim, já não digo que tenho próximos a quem devo ajudar, mas que me sinto chamado a tornar-me eu um próximo dos outros.
82. O problema é que Jesus destaca explicitamente que o homem ferido era um judeu – habitante da Judeia –, enquanto aquele que se deteve e o ajudou era um samaritano – habitante da Samaria –. Este detalhe reveste-se duma importância excecional ao refletirmos sobre um amor que se abre a todos. Os samaritanos habitavam numa região que fora contagiada por ritos pagãos, o que – aos olhos dos judeus – os tornava impuros, detestáveis, perigosos. De facto, um antigo texto hebraico, que menciona as nações odiadas, refere-se à Samaria afirmando até que nem sequer é um povo, e acrescenta que é “o povo insensato que habita em Siquém” (Eclo 50, 25.26).
83. Isto explica por que uma mulher samaritana, quando Jesus lhe pediu de beber, tenha observado: “Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber a mim que sou samaritana?” (Jo 4, 9). E noutra ocasião, ao procurar acusações que pudessem desacreditar Jesus, a coisa mais ofensiva que encontraram foi dizer-Lhe: “tens um demônio” e “és um samaritano” (Jo 8, 48). Portanto, este encontro misericordioso entre um samaritano e um judeu é uma forte provocação, que desmente toda a manipulação ideológica, desafiando-nos a ampliar o nosso círculo, a dar à nossa capacidade de amar uma dimensão universal capaz de ultrapassar todos os preconceitos, todas as barreiras históricas ou culturais, todos os interesses mesquinhos.
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