sábado, 1 de novembro de 2014

A Santidade


“Os Santos manifestam de diversas formas a presença poderosa e transformadora do Ressuscitado; deixaram que Cristo se apoderasse tão plenamente da sua vida que puderam afirmar com são Paulo: «já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Gl 2, 20).
Seguir o seu exemplo, recorrer à sua intercessão, entrar em comunhão com eles, «une-nos a Cristo, do qual, como da Fonte e da Cabeça, emana toda a graça e toda a vida do próprio Povo de Deus» (Con. Ec. Vat. II, Const. Dogm. Lumen gentium, 50).

Que significa ser santos? Quem é chamado a ser santo?

Com frequência somos levados a pensar ainda que a santidade é uma meta reservada a poucos eleitos. São Paulo, ao contrário, fala do grande desígnio de Deus e afirma: «N'Ele — Cristo — (Deus) escolheu-nos antes da criação do mundo para sermos santos e imaculados diante d'Ele na caridade» (Ef 1, 4).

E fala de todos nós. No centro do desígnio divino está Cristo. No qual Deus mostra o seu Rosto: o Mistério escondido nos séculos revelou-se em plenitude no Verbo que se fez homem. E Paulo depois diz: «De fato, aprouve a Deus que nele habite toda a plenitude» (Cl 1, 19).
Em Cristo o Deus vivente tornou-se próximo, visível, audível, palpável para que todos possam beneficiar da sua plenitude de graça e de verdade (cf. Jo 1, 14-16).

Mas permanece a questão: como podemos percorrer o caminho da santidade, responder a esta chamada? Posso fazê-lo com as minhas forças?

A resposta é clara: uma vida santa não é fruto principalmente do nosso esforço, das nossas ações, porque é Deus, o três vezes Santo (cf. Is 6, 3), que nos torna santos, é a ação do Espírito Santo que nos anima a partir de dentro, é a própria vida de Cristo Ressuscitado que nos é comunicada e que nos transforma.

Afirmando mais uma vez com o Concílio Vaticano II: «Os seguidores de Cristo, chamados por Deus não segundo as suas obras, mas segundo o desígnio da sua graça e justificados em Jesus Senhor, no batismo da fé foram feitos verdadeiramente filhos de Deus e co-participantes da natureza divina, e por isso realmente santos. Por conseguinte, eles devem, com a ajuda de Deus, manter na sua vida e aperfeiçoar a santidade que receberam».

A santidade tem por conseguinte a sua raiz última na graça batismal, no sermos enxertados no Mistério pascal de Cristo, com o qual nos é comunicado o seu Espírito, a sua vida de Ressuscitado.

Como pode acontecer que o nosso modo de pensar e as nossas ações se tornem pensar e agir com Cristo e de Cristo? Qual é a alma da santidade?
De novo o Concílio Vaticano II esclarece; diz-nos que a santidade cristã mais não é do que a caridade plenamente vivida: «"Deus é amor; quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele" (1 Jo 4, 16). Ora, Deus difundiu abundantemente o seu amor nos nossos corações por meio do Espírito Santo, que nos foi doado (cf. Rm 5, 5); por isso o primeiro dom e o mais necessário é a caridade, com a qual amamos Deus acima de todas as coisas e ao próximo por amor a Ele.

Mas para que a caridade cresça, como uma boa semente, na alma e nela frutifique, cada fiel deve ouvir de bom grado a palavra de Deus e, com a ajuda da graça, cumprir com as obras a sua vontade, participar frequentemente dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia e da sagrada liturgia; aplicar-se constantemente à oração, à abnegação de si mesmo, ao serviço ativo dos irmãos e à prática de todas as virtudes.

O que é essencial?
Essencial é nunca deixar passar um domingo sem um encontro com o Cristo Ressuscitado na Eucaristia; isto não é mais um peso, mas é luz para toda a semana. Nunca começar nem terminar um dia sem, pelo menos, um breve contato com Deus. E, no caminho da nossa vida, seguir a estrada que Deus nos comunicou no Decálogo lido com Cristo, que é simplesmente a explicitação do que é a caridade em determinadas situações.

Parece-me que esta é a verdadeira simplicidade e a grandeza da vida de santidade: o encontro com o Ressuscitado aos domingos; o contato com Deus no início e no findar do dia; seguir, nas decisões, o caminho que Deus comunicou, que são apenas formas de caridade. Esta é a verdadeira simplicidade, grandeza e profundidade da vida cristã, do ser santos.

Eis por que santo Agostinho, comentando o capítulo quarto da Primeira Carta de são João, pode afirmar uma coisa corajosa: «Dilige et fac quod vis», «Ama e faz o que queres». E prossegue: «Quando silencias, que seja por amor; quando falas, fala por amor; quando corriges, que seja por amor; quando perdoas, que seja por amor; haja em ti a raiz do amor, porque desta raiz só pode derivar o bem» (7, 8: pl 35). Quem é guiado pelo amor, quem vive a caridade plenamente é guiado por Deus, porque Deus é amor. Assim é válida esta grande palavra: «Dilige et fac quod vis», «Ama e faz o que queres».

Talvez possamos perguntar: podemos nós, com os nossos limites, com a nossa debilidade, tender para tão alto?
A Igreja, durante o Ano Litúrgico, convida-nos a fazer memória de uma multidão de Santos, ou seja, daqueles que viveram plenamente a caridade, que souberam amar e seguir Cristo na sua vida quotidiana. Eles dizem-nos que é possível para todos percorrer este caminho.
Em todas as épocas da história da Igreja, em qualquer latitude da geografia do mundo, os Santos pertencem a todas as idades e a qualquer estado de vida, são rostos concretos de todos os povos, línguas e nações. E são tipos muito diversos.

Na realidade devo dizer que também para a minha fé pessoal muitos santos, não todos, são verdadeiras estrelas no firmamento da história.

E gostaria de acrescentar que para mim não só alguns grandes santos que amo e que conheço bem são «indicações do caminho», mas precisamente também os santos simples, ou seja as pessoas boas que vejo na minha vida, que nunca serão canonizadas. São pessoas normais, por assim dizer, sem heroísmo visível, mas vejo na sua bondade de todos os dias a verdade da fé. Esta bondade, que maturaram na fé da Igreja, é para mim a apologia do cristianismo mais segura e o sinal de onde se esteja a verdade.

Na comunhão dos Santos, canonizados ou não, que a Igreja vive graças a Cristo em todos os seus membros, nós beneficiamos da sua presença e da sua companhia e cultivamos a firme esperança de poder imitar o seu caminho e partilhar um dia a mesma vida bem-aventurada, a vida eterna.

Queridos amigos, como é grande e bela, e também simples, a vocação cristã vista sob esta luz!
Todos somos chamados à santidade: é a própria medida da vida cristã. São Paulo expressa isto mais uma vez com grande intensidade, quando escreve: «Mas, a cada um de nós foi concedida a graça na medida outorgada por Cristo... A uns, Ele constituiu apóstolos, a outros, profetas, a outros, evangelistas, pastores e doutores, para o aperfeiçoamento dos santos, para obra do ministério para a edificação do Corpo de Cristo; até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus ao estado de homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo» (Ef 4, 7.11-13).

Gostaria de convidar todos a se abrirem à ação do Espírito Santo, que transforma a nossa vida, para sermos também nós como peças do grande mosaico de santidade que Deus vai criando na história, para que o rosto de Cristo resplandeça na plenitude do seu esplendor. Não tenhamos medo de tender para o alto, para as alturas de Deus; não tenhamos medo que Deus nos peça demasiado, mas deixemo-nos guiar em todas as ações quotidianas pela sua Palavra, mesmo se nos sentimos pobres, inadequados, pecadores: será Ele que nos transforma segundo o seu amor. Obrigado.”

Papa bento XVI 
13/04/2011


Nenhum comentário:

Postar um comentário