114. Quero destacar a solidariedade, que como virtude moral e comportamento social, fruto da conversão pessoal, exige empenho por parte duma multiplicidade de sujeitos que detêm responsabilidades de caráter educativo e formativo. Penso em primeiro lugar nas famílias, chamadas a uma missão educativa primária e imprescindível. Constituem o primeiro lugar onde se vivem e transmitem os valores do amor e da fraternidade, da convivência e da partilha, da atenção e do cuidado pelo outro. As famílias são também o espaço privilegiado para a transmissão da fé, a começar por aqueles primeiros gestos simples de devoção que as mães ensinam aos filhos. Quanto aos educadores e formadores que têm a difícil tarefa de educar as crianças e os jovens, na escola ou nos vários centros de agregação infantil e juvenil, devem estar cientes de que a sua responsabilidade envolve as dimensões moral, espiritual e social da pessoa. Os valores da liberdade, respeito mútuo e solidariedade podem ser transmitidos desde a mais tenra idade. Também os agentes culturais e dos meios de comunicação social têm responsabilidades no campo da educação e da formação, especialmente na sociedade atual onde se vai difundindo cada vez mais o acesso a instrumentos de informação e comunicação.
115. Nestes momentos em que tudo
parece diluir-se e perder consistência, faz-nos bem invocar a solidez, que
deriva do fato de nos sabermos responsáveis pela fragilidade dos outros na
procura dum destino comum. A solidariedade manifesta-se concretamente no
serviço, que pode assumir formas muito variadas de cuidar dos outros. O serviço
é, em grande parte, cuidar da fragilidade. Servir significa cuidar dos
frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo. Nesta tarefa,
cada um é capaz de pôr de lado as suas exigências, expetativas, desejos de
omnipotência, à vista concreta dos mais frágeis. O serviço fixa sempre o rosto
do irmão, toca a sua carne, sente a sua proximidade e, em alguns casos, até
“padece” com ela e procura a promoção do irmão. Por isso, o serviço nunca é
ideológico, dado que não servimos ideias, mas pessoas.
116. Os últimos, em geral, praticam
aquela solidariedade tão especial que existe entre quantos sofrem, entre os
pobres, e que a nossa civilização parece ter esquecido, ou pelo menos tem
grande vontade de esquecer. Solidariedade é uma palavra que nem sempre
agrada; diria que algumas vezes a transformamos num palavrão, que não se pode
dizer; mas é uma palavra que expressa muito mais do que alguns gestos de
generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade
da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É também
lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de
trabalho, a terra e a casa, a negação dos direitos sociais e laborais. É fazer
face aos efeitos destrutivos do império do dinheiro. A solidariedade, entendida
no seu sentido mais profundo, é uma forma de fazer história e é isto que os
movimentos populares fazem.
117. Quando falamos em cuidar da
casa comum, que é o planeta, fazemos apelo àquele mínimo de consciência
universal e de preocupação pelo cuidado mútuo que ainda possa existir nas
pessoas. De fato, se alguém tem água de sobra mas poupa-a pensando na
humanidade, é porque atingiu um nível moral que lhe permite transcender-se a si
mesmo e ao seu grupo de pertença. Isto é maravilhosamente humano! Requer-se
este mesmo comportamento para reconhecer os direitos de todo o ser humano,
incluindo os nascidos fora das nossas próprias fronteiras.
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