106. Para se caminhar rumo à amizade social e à fraternidade universal, há que fazer um reconhecimento basilar e essencial: dar-se conta de quanto vale um ser humano, de quanto vale uma pessoa, sempre e em qualquer circunstância. Se cada um vale assim tanto, temos de dizer clara e firmemente que «o simples fato de ter nascido num lugar com menores recursos ou menor desenvolvimento não justifica que algumas pessoas vivam menos dignamente». Trata-se de um princípio elementar da vida social que é, habitualmente e de várias maneiras, ignorado por quantos sentem que não convém à sua visão do mundo ou não serve os seus objetivos.
107. Todo o ser humano tem direito
de viver com dignidade e desenvolver-se integralmente, e nenhum país lhe pode
negar este direito fundamental. Todos o possuem, mesmo quem é pouco
eficiente porque nasceu ou cresceu com limitações. De fato, isto não diminui a
sua dignidade imensa de pessoa humana, que se baseia, não nas circunstâncias,
mas no valor do seu ser. Quando não se salvaguarda este princípio elementar,
não há futuro para a fraternidade nem para a sobrevivência da humanidade.
108. Há sociedades que acolhem
apenas parcialmente este princípio. Aceitam que haja possibilidades para todos,
mas, suposto isto, defendem que tudo depende de cada um. Segundo esta perspectiva
parcial, não teria sentido «investir para que os lentos, fracos ou menos
dotados possam também singrar na vida». Investir a favor das pessoas
frágeis pode não ser rentável, pode implicar menor eficiência; requer um Estado
presente e ativo e instituições da sociedade civil que ultrapassem a liberdade
dos mecanismos eficientistas de certos sistemas económicos, políticos ou
ideológicos, porque estão verdadeiramente orientados em primeiro lugar para as
pessoas e o bem comum.
109. Alguns nascem em famílias com
boas condições econômicas, recebem boa educação, crescem bem alimentados, ou
possuem por natureza notáveis capacidades. Seguramente não precisarão dum
Estado ativo, e apenas pedirão liberdade. Mas, obviamente, não se aplica a
mesma regra a uma pessoa com deficiência, a alguém que nasceu num lar
extremamente pobre, a alguém que cresceu com uma educação de baixa qualidade e
com reduzidas possibilidades para cuidar adequadamente das suas enfermidades. Se
a sociedade se reger primariamente pelos critérios da liberdade de mercado e da
eficiência, não há lugar para tais pessoas, e a fraternidade não passará duma
palavra romântica.
110. A verdade é que «a simples
proclamação da liberdade econômica, enquanto as condições reais impedem que
muitos possam efetivamente ter acesso a ela (...), torna-se um discurso
contraditório». Palavras como liberdade, democracia ou fraternidade esvaziam-se
de sentido. Na realidade, «enquanto o nosso sistema econômico-social ainda
produzir uma só vítima que seja e enquanto houver uma pessoa descartada, não
poderá haver a festa da fraternidade universal». Uma sociedade humana e
fraterna é capaz de preocupar-se por garantir, de modo eficiente e estável, que
todos sejam acompanhados no percurso da sua vida, não apenas para assegurar as
suas necessidades básicas, mas para que possam dar o melhor de si mesmos, ainda
que o seu rendimento não seja o melhor, mesmo que sejam lentos, embora a sua
eficiência não seja relevante.
111. A pessoa humana, com os seus
direitos inalienáveis, está naturalmente aberta a criar vínculos. Habita nela,
radicalmente, o apelo a transcender-se a si mesma no encontro com os outros. «É
preciso, porém, ter cuidado para não cair em alguns equívocos que podem surgir
de um errado conceito de direitos humanos e de um abuso paradoxal dos mesmos.
De fato, há hoje a tendência para uma reivindicação crescente de direitos
individuais – sinto-me tentado a dizer individualistas –, que esconde uma
conceção de pessoa humana separada de todo o contexto social e antropológico,
quase como uma «mónada» (monás) cada vez mais insensível (…). Na
realidade, se o direito de cada um não está harmoniosamente ordenado para o bem
maior, acaba por conceber-se sem limitações e, por conseguinte, tornar-se fonte
de conflito e violência».
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