sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Fratelli tutti - Capítulo 3 - Pensar e gerar um mundo aberto: Mais além nºs 88 a 90


88. A partir da intimidade de cada coração, o amor cria vínculos e amplia a existência, quando arranca a pessoa de si mesma para o outro. Feitos para o amor, existe em cada um de nós uma espécie de lei de “êxtase”: sair de si mesmo para encontrar nos outros um acrescentamento de ser. Por isso, o homem deve conseguir um dia partir de si mesmo, deixar de procurar apoio em si mesmo, deixar-se levar.

89. Mas não posso reduzir a minha vida à relação com um pequeno grupo, nem mesmo à minha própria família, porque é impossível compreender-me a mim mesmo sem uma teia mais ampla de relações: e não só as do momento atual, mas também as relações dos anos anteriores que me foram configurando ao longo da minha vida. A minha relação com uma pessoa, que estimo, não pode ignorar que esta pessoa não vive só para a sua relação comigo, nem eu vivo apenas relacionando-me com ela. A nossa relação, se é sadia e autêntica, abre-nos aos outros que nos fazem crescer e enriquecem. O mais nobre sentido social hoje facilmente fica anulado sob intimismos egoístas com aparência de relações intensas. Pelo contrário, o amor autêntico, que ajuda a crescer, e as formas mais nobres de amizade habitam em corações que se deixam completar. O vínculo de casal e de amizade está orientado para abrir o coração em redor, para nos tornar capazes de sair de nós mesmos até acolher a todos. Os grupos fechados e os casais autorreferenciais, que se constituem como um “nós” contraposto ao mundo inteiro, habitualmente são formas idealizadas de egoísmo e mera autoproteção.

90. Não é sem razão que muitas populações pequenas e sobrevivendo em áreas desérticas conseguiram desenvolver uma generosa capacidade de acolhimento dos peregrinos que passavam, dando assim um sinal exemplar do dever sagrado da hospitalidade. Viveram-no também as comunidades monásticas medievais, como se verifica na Regra de São Bento. Embora pudessem perturbar a ordem e o silêncio dos mosteiros, Bento exigia que se tratasse os pobres e os peregrinos com toda a consideração e carinho possíveis. A hospitalidade é uma maneira concreta de não se privar deste desafio e deste dom que é o encontro com a humanidade mais além do próprio grupo. Aquelas pessoas reconheciam que todos os valores por elas cultivados deviam ser acompanhados por esta capacidade de se transcender a si mesmas numa abertura aos outros.

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